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Forever young

Ilustração: Tom Vroman, em “Alexander”, de Harold Littledale

Primeiro desceram, uma a uma, as oito cadeiras. Em seguida, o aparador. Por fim, a mesa de jantar. Do caminhão, o moço preto de camiseta branca coordenava, Cuidado! Mais para a direita.Na calçada, seus colegas obedeciam. Exaustos. Logo as dez peças se reuniram na sala, recém-pintada para receber os novos moradores. A empregada quis adiantar o serviço e arrancou o plástico de uma das cadeiras, revelando o azul vivo do veludo. O brado retumbante da dona da casa ecoou: Não! Não tira!

Há certa esquisitice em quem não tira o plástico das coisas. Em quem deseja manter tudo igualzinho como veio da loja. Para não sujar. Durar mais. Deixar tudo com cara de novo. Plástico é o creme anti-idade, o Botox da mobília. Suaviza as rugas no tecido da chaise. Corrige os sinais do tempo no couro do sofá, destruindo as pegadas de quem descansa sobre ele. Retarda o aparecimento das linhas de expressão na camurça da poltrona e desfaz o contorno da bunda que repousou ali há pouco. O plástico apaga o passado, neutraliza o presente, evita o futuro.

Assim como teme gastar o móvel que comprou, o sujeito que faz isso – não raro, mulher, como a da história – receia gastar a vida. Usa, mas não abusa. Nunca deita, muito menos rola. Está sempre com um anteparo entre si e a diversão, o risco, a aventura. Teme contato e relacionamento, ainda que com um estofado. Jamais vive, plenamente, o que conquistou. Não quer a mortalidade nem para si, nem para aquilo que o cerca. Não sabe que tudo carece envelhecer. É econômico, dos produtos de limpeza às sensações. Está protegido.

Quem age assim com os móveis costuma estender o capricho pela casa inteira. É aquela pessoa que tem pano de prato novinho na gaveta e só usa os velhos, surrados, que a faxineira, vira e mexe, confunde com pano de chão. Que tem pratos lindos escondidos na parte mais alta do armário e só faz as refeições no velho Duralex. Inquebrável, aliás. Que envolve em filme plástico o teclado do computador. Que adora uma capa: na máquina de lavar roupa, no controle remoto da TV, no carro, no celular. Que deseja, enfim, a juventude eterna dos objetos. A todo custo.

Recomposta do pito, a empregada ainda tentou devolver os farrapos plásticos ao assento da cadeira mutilada. Tímida, deu a ideia. Aquela ali poderia ficar no canto, perto da quina da parede, que é onde as pessoas se sentam menos. A patroa topou na hora.