O calendário

Ines Hildur

Tinha em casa, quando eu era criança. Depois saiu de moda, nunca mais vi. Aqueles calendários que vêm com dois conjuntos de papeizinhos: um para os meses, com doze, e outro para os dias, com trinta e um. Era só ir trocando o papelzinho, conforme o dia. Um calendário eterno, válido para qualquer ano. O nosso era pequeno, feito em madeira. Se não me engano, havia algum desenho nele. Florzinha ou outra coisa mimosa. Fazia parte da decoração da cozinha.

Era necessário, no entanto, disciplina para mantê-lo atualizado. Alguém deveria, pontualmente, mudar o papelzinho do dia. E, quando chegasse ao trinta ou trinta e um (exceto fevereiro, o diferentão), trocar o do mês também.

O que nem sempre acontecia. Ficava dias sendo o mesmo dia. Meses, até. Março chegava, e ainda estávamos em janeiro. Já o sete de maio eu torcia para nada, nem ninguém, atualizar. Assim seria sempre meu aniversário.

Por outro lado, em meados de 1972, desejei pular direto para o ano seguinte, quando eu entraria no pré-primário. Queria saber como era esse negócio de ir à escola, meus irmãos iam e pareciam tão importantes com seus livros e cadernos e estojos e tarefas de casa. Mas tempo não é de papel. Tempo é de vento.

De tanto serem manuseados, os papeizinhos iam amarrotando e envelhecendo – o tempo também passava para eles. Curiosamente, ao tomar a dianteira no calendário, traziam sempre um dia inédito, um mês novinho em folha.

Não sei o destino que nosso calendário móvel teve. Sumiu. Ou acabou aposentado, substituído pela folhinha de parede, com fotos de gatinhos fofos ou bucólicas paisagens europeias (solares para os meses de verão e nevadas para os de inverno). Uma vez, ganhei de aniversário um relógio de pulso, com calendário automático. Eu não precisava fazer nada. Ele mudava seus papeizinhos sozinho.

Sei que na nossa velha casa o tempo, de certa forma, parou. Fechada há anos, ali o tempo não passa. É sempre o dia em que o último de nós saiu de lá.

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