Fábrica

L’Homme endormi, 1936, H.Matisse

Meio-dia e vinte. Os operários fazem, na calçada, a sesta. Em seus uniformes de brim azul-marinho, deitam-se, sem cerimônia, no chão em frente à fábrica. É ali, rente à rua, que se dá o breve descanso pós-almoço.

É preciso um bocado de coragem para fazer, do solo público, sofá particular.

Um deles se esparrama, como se estivesse em uma king size. Embora o modelo da calçada seja de solteiro. O colega ao lado, em quase posição fetal, repousa alinhado ao muro. Outro, barriga para cima, estica as pernas na transversal do passeio e cruza os pés. As mãos sob a cabeça, feito travesseiro. Há, ainda, outros.

Na construção, operários morrem na contramão atrapalhando o sábado. Na fábrica, dormem na calçada atrapalhando a quinta.

Será que chegam a sonhar quando estão de olhos fechados? Sei que descansam na calçada porque não têm onde mais recostar seus corpos. Dentro da fábrica não há lugar para sonhar.

O que embala seus quase cochilos? O arroz com feijão, quiabo e bife, o zum-zum-zum dos carros ou a primeira parcela do décimo-terceiro?

Onde eles se deitam passam as solas imundas dos sapatos. E também os cães, que vão largando pelo caminho seus cocôs e seus xixis. Não gostaria que, se eu tivesse um filho operário, ele descansasse assim após seu almoço. Se eu fosse dona da fábrica onde aqueles homens trabalham, instalaria hoje mesmo sofás, poltronas, redes para eles. Mas dono de fábrica não pensa nessas coisas. Quem pensa nessas coisas é mãe. Mãe é um tipo de fábrica. Só que de gente.

2 comentários em “Fábrica

  1. Talvez o dono da fábrica não tenha mãe ou tenha nascido num asfalto quente, cheio de gentes, cocô e pressa.
    Talvez a calçada seja o único sonho livre no dia do robotizado operário.
    Eu suponho que talvez…

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  2. Tu sabes da minga admiracao por seus artigos, mas ter a desfacatez de descrever o quw aconteu, amiude, no velho Cachoeiro, cidade que fui criada nesta cidade, tao cheia de pessoas honradas… maseu tambem reparava o intervalo dos almocos nas fabricas de cafe e de cimento… e era a mesma coisa, e eu sempre chegava com uma limoada, para refrescar… E eu tinha menos de 9 anos…

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