Verde-prússia

verde prússia 2

De todos os meus lápis de cor, o favorito era o verde-prússia. Não sabia, porém, o que era Prússia. Aprendi o nome e repetia, feito autômata. Só sabia que era o tom mais lindo do mundo para colorir meus desenhos.

No papel, em verde-prússia – ou verde-da-prússia, como alguns falavam – eu tingia a pipa que o menino empinava, a água da piscina que sonhava ter em casa, os olhos da moça que eu queria ser. Um dos primeiros lápis a acabar, o que mais visitava o apontador. Era preciso economizar, portanto. Aquele verde tão especial só vinha na caixa com 24 cores, e não era sempre que eu ganhava uma. Geralmente, usava a de 12 mesmo, com apenas duas variações: claro e escuro. Fosse a caixinha de 6, paciência, só o escuro. A unidade da felicidade era a dúzia, meu bem.

Na geografia da humanidade (aprendi depois nas aulas de História) a Prússia foi uma poderosa nação que ficava na costa sudeste do mar Báltico. Através dos séculos, foi um tal de invadir aqui e conquistar ali, num forrobodó complicado que deu origem à Alemanha. Deixou de existir em 1932, ano em que meu pai nasceu.

Na geografia das cores, o verde-prússia se localiza ao norte da minha infância, na fronteira com o azul. Há, aliás, o azul-da-prússia, que ganhou esse nome por ser a cor dos uniformes do exército prussiano, e é deveras diferente do verde-prússia, que nunca descobri por que foi batizado assim. O assunto rende e geralmente causa polêmica nas conversas. Discutir azuis e verdes é mais ou menos como discutir geopolítica.

De vez em quando, alguém aparecia na sala de aula com caixa não de 24, mas 36 lápis de cor. Pura ostentação. A vida daquela pessoa deveria ser perfeita, pensava. Um quarto só para si, roupas novas sempre que quisesse, mãe em casa o dia inteiro, pêssego em calda de sobremesa no almoço e no jantar. A grama do vizinho é sempre mais verde-prússia.

Hoje, os lápis de cor não são mais tão caros. Ainda trazem o verde-prússia na paleta, sei porque reparo quando vou comprar o material escolar dos meus filhos. Eles não usam esse nome, é verdade. E tenho dúvida se saberiam apontar, no globo, onde ficava o reino de Guilherme II.

Lembrei dos meus desenhos de criança, os cadernos, os trabalhos ilustrados à mão. Não guardei nenhum. Sumiram do mapa, feito a Prússia. Que cor tem um lamento?

8 comentários em “Verde-prússia

  1. A minha cor preferida também era o verde da Prússia. Estou escrevendo um livro para crianças (chamado “Prédios”), onde há alguns prédios que imitam os lápis de uma caixa, e o menor é justamente o verde-da-Prússia, porque ele era o mais apontado. Dei um google para ver o que achava sobre essa cor e vim parar aqui. Parabéns pelo texto saboroso. Ou melhor, colorido.

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    1. Mas que honra receber um comentário seu! Sigo você nas redes e sempre me diverti muito com o Diário daquele que não devemos pronunciar o nome (rsrs). Obrigada pelas palavras. Fico feliz que o verde da Prússia tenha trazido você até aqui. Abraço!

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  2. Adorei sua crônica. Eu também, quando criança, ficava maravilhada com as cores do meu estojo de lápis de cor. Ocre, verde da Prússia, heliotrópio, amarelo canário, entre outras. E sim, essa cor era uma de minhas favoritas e ainda é até hoje.

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    1. Obrigada, Lucia! Eu ainda olho as coisas em verde-prússia (ou verde da Prússia) com olhos diferentes… 💙 Beijo

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  3. Que crônica maravilhosa! Cheguei aqui pesquisando “verde da prússia”, após um insight que me levou de volta à minha amada caixa de lápis de cor onde tinha esse, que era o meu favorito, também! Obrigada! ❤

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  4. Acabei de descobrir que nossa amizade é verde-Prússia. Ainda não conheço a Prússia. Talvez, no próximo ano verde, visitarei minha família na Alemanha. Já molhei meus pés no azul índigo do Mar Mediterrâneo, qual a cor do Mar Báltico? Ainda não vi a cor do Mar Báltico.
    Hoje descobri que as sextas-feiras não são nem azuis, nem verdes.
    Um beijo marrom,
    Huck.

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