
Para a formatura da oitava série, não foi. Nela, usei um vestido branco, sem graça. Eu mesmo o inventara, a tia costurou. Parecia camisa de homem, comprida. Foi para algum casamento. Vestido pronto era caro, então, rumamos à rua 25 de Março para comprar o tecido.
Escolhemos uma das dezenas de lojas espalhadas ao longo do pedaço. Havia uma modelista de plantão, que desenhava os vestidos na hora. Depois, era só comprar o tecido e levar à costureira. Sacada genial dos lojistas, para atender freguesas enduvidadas sobre o modelito ideal.
A dúvida, no caso, era do meu corpo; não sabia se de menina, se de mulher. Encaixava-se naquela categoria indefinida, e algo incômoda, da adolescência.
Em meio a prateleiras com pilhas de fazendas coloridas, florais e listradas, uma mesinha e duas cadeiras. Sentamo-nos, a modelista sacou seu bloco de papel e um lápis preto, apontado à perfeição. Numa espécie de anamnese, quis saber se eu preferia longos, o que eu achava de babados, se gostava de tomara-que-caia. Enquanto eu respondia, ela me observava e ia esboçando no papel meu modelo. No balãozinho de seu pensamento, pude ler o diagnóstico: menina cabeluda, magrela, branquela, sardenta, pernas finas, levemente desengonçada.
Minutos depois, o desenho revelado: um longuete acinturado, alcinhas de amarrar, ajustáveis no decote, deixando um leve franzido na frente e nas costas, as alças finalizando num laço molengo. Estranhei a sugestão vaporosa, mas achei bonito. Sugeriu musseline, escolhi azul-céu.
No ônibus de volta para casa, vasculhei a sacola. Desdobrei a folha de papel e me dei conta. No desenho, uma moça esguia e alta. Três coisas que eu não era. Quis rasgá-lo e atirá-lo pela janela. Aquele vestido não era para mim, coisíssima nenhuma. A modelista devia ter meia dúzia de modelos de cabeça e usava-os aleatoriamente com a freguesia. No entanto, se o rasgasse, corria o risco de ganhar um novo vestido sem graça. Só que azul.
Fomos à costureira. Ela analisou o desenho, conferiu o tecido, tirou medida daqui e dali, “Pode vir provar na terça”. No dia marcado, experimentei o projeto de vestido, ainda alinhavado. Olhei-me no espelho. Como eu já constatara, nem sombra da moça do desenho. A costureira, percebendo meu desapontamento, tentou aliviar, “Não está pronto”.
Quem não estava pronta era eu. Eu não passava de rascunho. Se o hábito não faz o monge, o vestido não faz a moça. Quanto tempo demoraria para tudo acontecer em mim?
Eu só queria poder ir à maldita festa com minha velha calça Lee.
Usei o vestido no dia, resignadamente. Casamento de quem, meu Deus? Lembro das sandálias de salto, as primeiras, que eu fora autorizada a usar. Não sei que fim levou o vestido. Minhas recordações parecem feitas de retalhos de musseline. Uns coloridos, outros florais, alguns listrados. Como os da loja da 25 de março.