Wilson

O ano? Não me lembro. Estávamos no Primário, hoje Fundamental. Ao subir as escadas, estranhei os colegas no corredor, quando deveriam estar na sala de aula. Ninguém correndo ou fazendo bagunça, que seria o normal. Uns com olhar espantado, outros conversando baixinho. Perguntei o que havia acontecido. Um deles contou: O Wilson morreu.

Wilson era da nossa classe. Oito, nove anos? Fora atropelado na rua Florianópolis, onde morava, enquanto brincava. Caminhão, disseram.

Até então, nenhuma criança, que eu tivesse conhecimento, havia morrido naquele nosso pedaço da Mooca. Tão perto de mim. O ineditismo da morte pegou-me de jeito. Um estranhamento, uma tristeza recheada de susto.

Não fui ao seu enterro. A professora deve ter ido. As aulas continuaram sem ele. Seu nome era o último na chamada. Que ficou mais curta.

Daquele dia em diante, a cada vez que eu passava pela sua rua, pensava nele. (Ninguém sabe, mas até hoje, se acontece de eu passar por ali, penso.)

Não que fôssemos grandes amigos. Pouco sabia dele. Se assistia Família Dó-ré-mi ou se preferia Perdidos no Espaço. Para qual time torcia. O que gostava de pedir na cantina na hora do recreio. Não conhecia seus pais. Mas era alguém que eu via todo santo dia útil, entre cadernos e livros e provas de matemática e brincadeiras no pátio. De repente, nunca mais.

A morte, às vezes, pode marcar mais que a vida.

Não há uma fotografia dele sequer em minhas recordações da escola, já procurei. Para lembrar de seu rosto, preciso me concentrar. Então, ele surge por alguns segundos, para logo se misturar com os de outros colegas e desfazer-se em uma imagem difusa. De concreto, apenas isto: Wilson, meu colega de classe no Primário, morreu. Tinha oito, nove anos? Caminhão, disseram.

Nota: devo registrar, a título de assossego interno, que quando recebi a notícia dos colegas, ali no corredor, talvez por distração, ou por não ter ouvido direito, entendi outra coisa. Algo como o professor ter faltado, que não haveria aula. Soltei, para espanto geral, um infeliz “Graças a Deus!”. Só depois me dei conta do vexaminoso mal-entendido. Por instantes, e apenas por instantes, fui a sem-coração da turma.

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