Piloto-automático

Ilustração: Chrstphre Campbell/Flickr.com

Deixar cérebro e língua no piloto-automático não é, definitivamente, bom negócio. Embora a gente dependa dele. Não fosse assim, não se diria a todo instante tanta coisa sem pensar. Frases de caixinha, feito suco pronto.

“Prazer em conhecer”. Quando duas pessoas que nunca se viram, tampouco sabem uma da outra, são apresentadas, difícil haver, de imediato, algum prazer ali. Deve ser por isso, mais certa preguiça humana, que sua forma completa resumiu-se com o tempo, dando vez a um econômico e sintético “Prazer”, por vezes pronunciado num tom próximo do inaudível, meio grunhido, enquanto mãos se chacoalham sem vontade. É possível que a minifrase seja verdadeira em alguns casos. Um pai feliz em conhecer o melhor amigo do filho, aquele que ele ouve falar há tempos e só agora calhou de dar certo o almoço. Um fã que vai ao camarim do seu artista predileto. E mais meia dúzia de exemplos. O que aconteceria se alguém dissesse a uma pessoa, assim que a conhece, “Olá! Desculpe-me, mas não estou sentindo nada em conhecê-lo”? Finge-se que conhecer Fulano é um prazer, Fulano finge que acredita e declara o mesmo. Ao menos, é mentira mútua. Ninguém sai ferido.

“Tudo bem”, em afirmativa resposta à trivial “Como vai a vida?”. Quantas vezes se responde isso com sinceridade? Tem horas em que tudo o que se quer é puxar uma cadeira, de preferência com uma xícara de café nas mãos, e destrinchar a tristeza, a chateação, a preocupação, a raiva, a recente semgracisse das coisas. E quantas vezes a pergunta tem mesmo intenção de saber a verdade? Há quem capriche e devolva: “Está tudo ótimo”. Quando lá dentro, no entanto, só se pensa no saldo vermelho, no irmão mais novo que vai fazer transplante, na crise existencial própria, conjugal e de terceiros. Ou tudo isso junto. O que, admita-se, seria chatíssimo de se ouvir num breve encontro de elevador. Há quem sinta prazer em esticar a falácia: “Tudo bem. E você?”. Sejamos otimistas: a vida pode estar, de fato, bem. Só que poucos saberão quando é uma coisa, quando é outra. Na verdade, tanto faz.

“Não precisava se incomodar”. É como parte integrante de embalagens para presente: entregou, ouviu. Queria ver alguém ter a coragem: “E incomodou, sabe? Tive de sair na hora do almoço para procurar alguma coisa para você, um trânsito! Acabei chegando atrasada para a reunião”. O que incomoda mesmo é não saber, com exatidão, qual sentimento está por trás da frase, dita quase sempre com reticências no final.

Ser sincero em tempo integral é inviável. Não funciona no mundo das pessoas. Só dos bichos. E olhe lá.

7 comentários em “Piloto-automático

  1. Frases feitas são o exemplo de que precisamos de certas convenções para funcionar no dia-a-dia. É a obrigatoriedade da boa educação.

    Dessas fórmulas que usamos cotidianamente, a única que não consigo dizer é “meus pêsames” (já que tocaram no assunto). Só consigo abraçar a pessoa mesmo.

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  2. Oi querida!
    Amei. Engraçado, interessante, instigante.
    Ontem trabalhei na clínica sobre isso, lembrei o terrível ‘meus pesames’ em hora que nada mais precisaria pesar…
    E aqui sou artista, sapeca, arrisco ensinar a tentar uma palavra que nos diga, alem do automatizar… dá para viver e dizer coisas lindas, dá para se encontrar… mesmo que só um pouquinho…
    Você é mesmo um encanto!
    Beijocas,
    Claudia

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  3. Oi Sil…

    Menina estava lendo o texto e observando o quanto sou ligada no “piloto-automático” das respostas.
    Acredito que de certa forma é conveniente agir assim, até mesmo por formalidade, porém não chegando ao extremo. Tem horas que é preciso desligar o automático e dizer de cara, tem horas que é necessário responder assim, porque não saberia o que dizer no lugar kkkk

    bjs, amei o post!

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  4. Querida Silmara!!
    Boa semana!!!!
    Enquanto eu lia (antes de chegar ao final), fiquei pensando exatamente no que vc escreveu na última frase do seu post (hehe). É impossível mesmo!
    Acho que essas frases tornam a vida só um pouco mais “agradável”, pois creio que poucas pessoas gostariam de saber realmente o que pensamos, ou o que acontece em nossas vidas.
    Ainda bem que com algumas pessoas (maravilhosas), podemos tirar as máscaras.
    bjaaaaaaoooooooo… É ótimo começar a semana com vc tão inspirada (não é frase pronta)!

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  5. Oi Sil…
    saudades de comentar aqui 🙂
    sempre leio seus textos (já devo ter dito isso), mas sabe aquela (in)comum falta de tempo para parar e lhe parabenizar mais uma vez pelo seu talento com as as palavras, as vezes me aflige.

    Lindo o texto, muito sincero eu diria =D

    Continue alegrando os meus dias com as suas palavras.

    Beijos, Taíssi.

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  6. Silmara, às vezes dá vontade de sair do piloto automático, mas francamente às vezes dá vontade de ligar o piloto automático para outras coisas também…mas uma coisa concordo geral, é inviável ser sincero em tempo inegral com os outros e alguns até … consigo mesmo…bjinho e boa semana!!

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