Imagina

Só esta semana foram duas vezes: troquei meia dúzia de mensagens pelo WhatsApp, com o moço da farmácia e a secretária da escola de inglês dos meninos. Fim das conversas, educada que sou, agradeci. Ambos devolveram um “Imagina!”. A segunda ainda lançou mão da corruptela: “’Magina”.

Está certo que esse “imagina” deve ser entendido como “não há de quê”. Porém, dito assim, em imperativo afirmativo, só restou-me obedecer. Imagina, Silmara!

John Lennon fez o exercício, ao imaginar não haver essa coisa de paraíso, nem inferno, religião, nem fome, a galera toda vivendo em paz. Deu naquela música linda.

Já eu imaginei minha mãe, tratando o tumor a tempo de hoje poder estar aqui, me ensinando a pregar zíper e acertar o ponto da massa de coxinha.

Imaginei poder telefonar para quem já morreu – sem precisar de centro espírita ou médium. Conexão direta pra valer. E a pessoa atendesse lá, aonde quer que fosse lá.

Imaginei uma cidade onde os motoristas respeitam as faixas do retorno, sem bancar espertinho, passando na frente dos outros que esperam pacientemente sua vez.

Aproveitei e imaginei também todos freando para os cães atravessarem.

E já que imaginação é o bicho, imaginei um reencontro com todos os pets que já tive. Gato, cachorro, maritaca, hamster. A Caró, o Oscar, o Fritz, a Doris, o Huguinho, o Shazam, o Led, a Branquinha, o Chang, o Léo, a Bia, o Beto Boa-Pessoa, o Júlio, a Didi, a Bodhi, o Tommy, o Kim, a Beth Pimentinha, a Bibi, o Chico, o Norman Bates. E melhor parar, porque vou acabar esquecendo algum. Mas imagina a farra?

Imaginei quando a trindade Caetano, Gil e Chico tiver partido e, juro, quase chorei.

Mas aí imaginei como este mundo seria menos legal se não existisse “Devotion”, aquela do Earth, Wind & Fire. Aliás, fico imaginando como é que alguém consegue não sair dançando feito louco quando a ouve.

Mandou imaginar, eu imagino.

Imaginei poder gravar os meus sonhos em HD para assisti-los depois. Voltar umas partes, pular outras. Eventualmente, apagar alguns.

Imaginei o arrependimento no ladrão que roubou meu celular cheio de fotos, e eu perdi tudo porque não salvei na nuvem, e dias depois eu recebendo pelos Correios meu aparelho de volta, intacto e com um bilhetinho escrito à mão, “Foi mal”.

Por um dia, unzinho só, imaginei os preços das coisas com duas casas decimais a menos. E ninguém estranhando; só o comprador percebendo que está levando um carro zero por quinhentos contos ou um par de Louboutin novinho por módicos setenta.

Imaginei – olha que doido – que as pessoas que comentam as notícias nas redes sociais sabem, com propriedade, o que estão falando. Daria gosto de ver (e ler).

E imaginei todo mundo usando direitinho a crase e as vírgulas.

Então, viajei total e imaginei se “pois sim” fosse sim, e se “pois não” fosse não.

Você pode dizer que sou muito imaginadora, ou sonhadora. Mas, assim como Lennon, eu não sou a única.

5 comentários em “Imagina

  1. Ah, Silmara! Imaginei tanta coisa aqui também, muitas delas muito semelhantes às suas imaginações: mãe, bichos, recentemente, pai e humanidade bacana! Agora, imagino com um romance escrito por Silmara nas mãos com o mesmo sorriso que fico quando leio suas crônicas. Imagine!!!
    Em tempo: se lançar um “magina” aqui no RJ ninguém vai entender, nem ter essa chance maravilhosa para o devaneio. Beijos querida!!!

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    1. Silmara linda e pensar que toda está imaginação começou com um final de frase que vc ouviu…ou leu..daí saiu está delícia de leitura pra fazer a gente viajar na imaginação… lindo viu..grata

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