Luiz

arte: Jason M. Peterson

Numa tarde, o Luiz foi até a vila onde eu morava e escreveu no muro, com tinta spray: “Silmara eu te amo”. Assim, sem vírgula e sem vergonha. Irmão da amiga de minha irmã, ele e eu tivemos um breve namorico. Coisa de adolescente, os caçulas das duas famílias. Os vizinhos foram conferir a declaração, até então inédita no pedaço. As opiniões, polarizadas, iam de “Que absurdo!” a “Que fofo!”, passando por “Os pais dela já viram?”. Quem viu e não gostou nadica foi meu avô. Mandou limpar, onde já se viu. Lá foi o Luiz com a lata de tinta branca, e a apaixonada missiva desapareceu. Fiz enquete na escola; quem mais já havia ganhado anúncio igual?

Numa noite, o Luiz e eu fomos dar um rolê no Opala branco – coisa fina – do pai dele. Sábado, anos 80, o point mais badalado da cidade era a Avenida Ibirapuera. Eu me sentia o máximo, circulando naquele carrão. Vidros abertos, uma Janis Joplin rouquíssima se esgoelando no toca-fitas, Moema inteira há de ter ouvido. Lembro direitinho, era Summertime na fita K7.

O namoro não engatou, a amizade ficou em pé. Luiz era divertido, sarrista, criativo. Onde ele estivesse presente, certeza que a gente iria rir, e muito. Família inteira, tão querida. As festas na casa deles eram animadíssimas. Em uma, com o tema “Ridículo”, o Luiz surgiu metido num casaco com pisca-pisca, desses de árvore de Natal, que ele próprio instalara. Quem não ama um amigo assim?

Numa manhã, o Luiz se foi. Estava em casa com a esposa, passou mal. Acode, o Samu vem vindo, a equipe orientando pelo telefone. Não deu tempo. Morreu nos braços da irmã caçula. No velório, eu não sabia o que pensar. Então, emprestei da Janis:

“One of these mornings

You’re gonna rise, rise up singing

You’re gonna spread your wings, child

And take, take to the sky, Lord, the sky”

Sua mãe partiria um ano depois. Sim, é possível morrer de tristeza.

Ontem vi num muro, em letra cursiva, meio torta: “Fulana, eu te amo”. São bonitas, as declarações públicas de amor. E os muros são perfeitos para isso. Acho até que essa deveria ser a principal função deles. Enquanto eu esperava o sinal abrir as lembranças passaram por mim, feito filme. Nunca mais andei de Opala. Há tempos não passo pela vila. Sete anos que o Luiz foi embora. E, de todas as suas brincadeiras, essa foi a única que não teve graça.

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