Eu viajaria no dia seguinte, pela manhã, e retornaria à noite. Na véspera, me vi redigindo longo e detalhado email ao marido, com um inventário de informações e eventuais providências sobre a rotina da casa, das crianças, do meu trabalho em andamento. Por quê? Para o caso do avião cair e eu morrer, oras.
Tive medo de partir desta para melhor e não quis lhe dar trabalho para descobrir o modus operandi de algumas coisas que somente eu cuido ou sei. Não que ele seja alheio a elas, mas as minúcias, como a senha do meu computador, não é exatamente assunto que se lembre de conversar no jantar. Precaução extra de minha parte? Maluquice? Talvez apenas um devaneio de insubstitubilidade. Como se a Terra fosse interromper sua rotação, caso eu esticasse as canelas. Ou, como bem pontuou a amiga psicanalista assim que soube da missiva candidata a póstuma: meu caso é grave.
Se eu batesse as botas durante o voo, como é que o marido daria conta de saber, com relativa facilidade, quando as crianças têm consulta no pediatra? Que remédios meu pai toma? Onde está o bilhete da Mega Sena do concurso de amanhã? (Vai que.) Como ele daria a notícia aos leitores deste blog e aos meus amigos do Facebook, se não soubesse logins e senhas?
Contatos, pendências, compromissos marcados, as ONG’s de proteção animal que eu ajudo, a reiteração de que sou doadora de órgãos. Tudo se perderia entre as missas de sétimo dia e de um ano. Eu bem que tentaria falar com ele, mas não é certeza de que o wi-fi do lado de lá seja bom.
Nem em meus mais esquisitos sonhos pensei numa ação preventiva como essa. É algo que não passa pela cabeça. Como se morrer fosse uma possibilidade remota. Como se isso só acometesse quem viaja de avião. Ah, o nosso ingênuo imaginário. A morte pode estar em um tropeção na sala, num atropelamento besta, num assalto, num infarto sem aviso prévio. Nunca cogitamos a impermanência no cotidiano.
Fui caprichando no email. Quando cheguei ao item 9, ri. Nisso que dá ter trabalhado em planejamento. Imaginei o marido lendo o email no outro dia, e eu em casa, vivinha da silva, dando comida aos gatos, levando as crianças para a escola. Como de costume.
Mesmo rindo e duvidando da sua utilidade, enviei o email. Ele não respondeu. Deve estar aguardando o melhor momento para fazer piada.
É bom estar viva.
Não caiu, ainda bem. Agora seu marido, além de continuar marido, deu uma aumentada no estoque de piadas.
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Sabe aquelas coisas que você faz para não usar? Igual a seguro?
Então …. você está certa! E o Edu também – rs
Que bom que ele não precisou ler!
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Ah, Silmara, eu não tenho essa grandeza de pensamento. rsrs Tenho umas coisas na cabeça, quanto a velório, mas jamais comento…Sei lá…rsrs Mas vc está certa, afinal, quem sabe a hora, né? Isso dá outros bons posts, como o da Úrsula. rs Quem sabe eu escreva sobre? rs
Beijo.
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Eu não respondi pq não li. Não era para ler somente se acontecesse alguma coisa?
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“O medo de morrer nos impede de viver.Não de morrer”.(Paul C. Round)
deixa tudo como está,os sobreviventes sempre dão um jeito,mas é mania de mãe controlar tudo…Mas,ainda bem que voce não morreu…viva Silmara!
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