Revista-se

 

Comprei um revisteiro. Pequeno, em ferro, do jeito que acho bonito. Flerto com ele, estou apaixonada. Trato de acomodá-lo na sala, ao lado do sofá, do jeito que imaginei. Mas não demora e sou invadida por uma devastadora realidade. O novo objeto é completamente inútil: não temos mais revistas em casa.

Há tempos não compramos revistas, nem jornais, em bancas. Tudo é lido nas telas. Acabou o papel, jingle bell. Os poucos exemplares remanescentes são velhos e habitam dois locais distintos em nosso lar.

O banheiro: para aquelas horas de atemporalidade absoluta, onde tanto faz ler uma matéria do mês passado ou de dois anos atrás. Banheiros são perfeitos para a leitura distraída, sem compromisso. Não conheço ninguém que tenha revistas da semana no banheiro.

A escrivaninha das crianças: são boas para os trabalhos de escola, recortar proparoxítonas, figuras de meios de transporte, itens da pirâmide alimentar. É apoio pedagógico que não carece de vínculo com a atualidade. Estão todas devidamente esquartejadas.

Encaro o revisteiro pelado. Minha vontade é voar à banca mais próxima.

O design simples e eficiente prometia não repetir os estragos que seus antecessores costumavam causar nas nossas Lolas, Vejas, Épocas, Vida Simples. Por conta da engenharia imprópria, as pobres ficavam deformadas. Como se padecessem de irreversível escoliose, prejudicando o mais básico folhear. Nesse, não. As revistas permaneceriam íntegras, saudáveis, confortavelmente repousadas à espera da leitura.

Volto à loja e peço para trocar por um quadrinho?

Revisteiros domésticos estão na mesma categoria daquelas antigas bases das máquinas de costura das avós. Restauradas e reinventadas, hoje enfeitam lares fazendo as vezes de mesa ou aparador. Sua missão guarda, porém, algo da essência original: costurar passado e presente. Não raro, sobre elas se veem vasos feitos daqueles também antigos, pesados e impossíveis ferros de passar roupa à carvão.

É o tempo da casa digital com decoração analógica (ou nem).

O que fazer, então, com meu revisteiro solitário e desocupado, tal um imóvel aguardando inquilino? Já que vira cama d’algum gato, despejo de pequenas tralhas sem endereço, estorvo na hora de passar aspirador.

Ou revisto-o de significado e encabeço um movimento pela volta maciça e definitiva das revistas aos lares, doces lares. Aproveito e estendo o negócio às máquinas de costura também. O ferro de passar roupa, esse impossível até quando moderno, pode continuar abrigando as flores. De verdade, plástico ou papel.

5 comentários em “Revista-se

  1. Eu mantenho o meu revisteiro cheio…leio o jornal Correio Popular aqui de Campinas(SP) e ainda outras revistas com diferentes títulos sobre viagem, gastronomia, decoração, etc. Não consigo ficar sem leitura em papéis.. adoro grifar (existe esta palavra ainda?), folhear, recortar e guardar artigos! Beijos prá você! Mônica

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  2. Boa crônica, Silmara, e organize o movimento’! Revisto-me, todo santo dia, juro! Aqui, ao contrário da sua casa, tem revistas às pencas (enquanto as bananas, só em meia dúzia…) Jornalista tem mania de acumular papel. E o marido, editor de revista, tem direito a receber alguns títulos.
    De vez em quando, uma geral e elas passam pras mãos de filhos e sobrinhos da faxineira, pro cara que recolhe o lixo no prédio e já não sei onde foram parar. Se quiser, empresto uma Serafina, Piauí, Viagem & Turismo, Casa…pode escolher e batizar o revisteiro novo! bjs.

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  3. Ainda temos algumas revistas super interessantes ou gibis oi ate mesmo mangás, que poderão rechear sua revisteira, mas de toda forma daqui uns tempos a tecnologia ha de tentar transformar em relíquia peças lindas e de suma utilidade como a sua bela revisteira.

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  4. Década, divisão, geração, a outra metade… Outra ponta, outro modo, outras terras, novo povoado. Tudo é matemático, já notou? Logo, somos o resultado de um produto às vezes não tão bom assim. Eu era melhor quando meu revisteiro vivia cheio de revistas… assim como quando a mãe simplesmente estava ao lado, costurando em sua máquina que se eternizou somente na minha memória. A matemática mudou tudo que vejo. A divisão prevalece sobre a soma. Tenho medo.
    Bjs,
    Huck

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