
Agendar consulta das crianças na pediatra. Inspecionar orelhas do mais velho. Desembaraçar os cabelos da mais nova. Tirar dente mole dos dois.
Comprar os remédios do meu pai. Certificar-me que suas meias e cuecas estão em ordem. Levá-lo para cortar os cabelos e, na volta, passar no mercado para ele comprar bolachas.
Da matrioska, sou a boneca do meio. Cuido da boneca de fora, a que veio antes, e de onde vim. Cuido das que vieram depois, saídas de mim.
De mim, quem cuida?
Eu mesma agendo minhas consultas e nos dias marcados pego meu carro e vou. Lavo minhas orelhas, decido meus cabelos e, sem ninguém mandar, escovo os dentes – surgidos, tanto tempo atrás, em substituição aos meus moles. Não preciso de remédios; precisasse, os tomaria na hora certa. Determino o que entra e o que sai de meu guarda-roupa. Administro minhas próprias bolachas.
Encravado entre a infância e a velhice, o adulto é a peça autocuidante. No meio do jogo, é o presente, cuidador de si, do futuro e do pretérito.
O futuro, da vida, pensa que sabe tudo.
O pretérito sabe, efetivamente, tudo. No entanto, em triste gerúndio, vai se esquecendo.
O presente arde no desejo imperativo de tudo saber. Efetivamente, nada sabe.
São todos imperfeitos.
E isso é infinitivamente mais-que-bonito.
Silmara, que texto lindo. Infelizmente cada vez mais a boneca do meio se desvincula das suas sucessoras e das bonecas cuidadoras do passado. Principalmente aqui onde moro, o que se vê aos montes é a politica do “cada um por si”…
Que um dia alguém me traga bolachas…
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Que linda sua conjugação afetiva, Silmara Francovichna! Adorei! bjs.
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“Ninguém tem paciência comigo…”, já dizia o menino Chaves… rs Ainda bem que estamos na fase do ainda-posso-cuidar-de-mim-sozinha. rs Mesmo assim, sempre queremos colo. Eu me dou, em forma de dizer “não’, que só agora estou aprendendo. Depender de terceiros é ruim demais, Deus nos livre disso!
Beijo, Silmara.
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Tempo…tempo de cuidar,tempo de ser cuidado…
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Sil, infinitamente mais-que-bonito é sua forma poética de escrever e nos envolver. Bravo pra mais essa pérola que criou!
Bj
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Sil, que doçura e que composição verbal!!!
Outro dia me vi perguntando isso: Tenho que ter paciência com meus pais, porque são meus pais. Com meus filhos, porque são meus filhos. E quem tem paciência comigo???
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