Beijo a lápis

Ilustração: Rubens LP/Flickr.com

Entrou na loja com perfume de erva-doce (a loja, não ele), foi atendido pela moça de cabelos verdes e anel no dedo do pé. Achou esquisito (o anel, não o cabelo) e, mesmo assim, pediu:

– Quero um beijo.

A moça abriu um sorriso e explicou:

– Aqui é uma papelaria.

– Eu sei. Quero um beijo.

A moça fechou o sorriso. Não tinham beijos ali. Só papéis e canetas.

Ele caminhou mais alguns metros e alcançou outra loja. Sorriu para o vendedor, que já o aguardava na entrada, e anunciou:

– Quero um beijo.

– É para o senhor mesmo?

– Sim.

– Só um minuto, por favor – disse o vendedor, indo até os fundos da loja. Retornou, desculpando-se:

– Acabou. Não temos mais nenhum.

– Ah, pena.

– Quer deixar seu telefone? Quando chegar, eu aviso.

– Não… Era para hoje.

– Fico devendo, então.

Ao sair, pensou: como é que alguém fica devendo um beijo? Pode-se dever muita coisa: favor, explicação, visita. Beijo, não. Loja mais esquisita. Parou para tomar um café na livraria. Enquanto namorava os doces, tão arrumados na cestinha de palha, perguntou para a garçonete que roía as unhas:

– Tem beijo?

– Só beijinho.

Beijinho ele não queria. Tinha que ser beijão. Pagou seu café, folheou um livro na estante e saiu. Viu um gato se espreguiçando na calçada. Morava a duas quadras dali (ele, não o gato), no décimo segundo andar do edifício mais antigo da cidade. Entrou no elevador, dobrou o casaco no braço. A porta foi se fechando. No último instante, uma mão a alcançou, parando-a. Era a vizinha do décimo primeiro, vestida com blusa de passarinhos e saia-lápis. Ele se fingiu entretido com os botões (do casaco, não do elevador), ela puxou assunto. Riram, a moça era meio doidinha. Foi quando ela lhe disse ao pé do ouvido:

– Sabe duma coisa?

Com o lápis da saia, buscou-lhe a boca. E desenhou nela um beijo.

20 comentários em “Beijo a lápis

  1. Menina, que coisa mais suave…
    Ontem mesmo eu conversava com alguns amigos o quanto nossa cultura, nossos valores, estimulam pouco o Amor…
    Estamos prontos para ouvir feedbacks de construção mas pouco preparados para receber elogios… estamos acostumados a compartilhar problemas mas poucas vezes alegrias… aliás… também é mais fácil acolher problemas do que alegrias… alegrias podem nos dar inveja…
    E para fechar, podemos nos divertir levando as coisas ao extremo, onde, quando vemos um noticiario com filhos que matam pais, pais que jogam seus filhos pela janela, pedaços de gente ofertados para cachorros (goleiro do flamengo).. achaos tudo normal… a maioria sequer troca de canal para as crianças não verem… porém… se aparece um seio feminino em um contexto até mesmo de nu artístico (não me refiro aos SBTs e Gimenes)… trocamos de canal imediatamente…

    Enfim…

    Obrigado por voar tão levinho com seus pensaentos, suas palavras e pousar um pouquinho em meu coração, trazendo de volta a inocência do amor puro, fiel a si mesmo e porque não, um pouco doidinho como a moça do elevador… rs

    Gratidão por ti.

    Namastê minha querida Pingo de Luz… Namastê! (O Deus em Mim Saúda o Deus em Você)

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  2. Lindo Silmara!
    Engraçado que eu conheci seu blog pelo e-mail de uma amiga que me disse: “Garanto que você vai adorar! Passa lá!”
    Dito e feito. passei, gostei e nunca mais larguei.
    Adoro demais!
    Parabéns pelo talento e sensibilidade maravilhosos!

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  3. Sil querida,
    você sempre surpreendendo. Lindo, lindo, lindo.
    Beijos…de quem esta com saudades….Já pensou que mês que vem faz um ano que não nos vemos??? COmo passou rápido…E como te sinto tão presente…Pelos seus textos lindos e pela Sissi…a bonequinha não sai de perto da Lê. Assim, você esta pertinho de nós sempre.
    Beijos, beijos,
    Ana Paula

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  4. [Eu fico indignado quando não sei o que comentar. Esse vai pra lista dos preferidos, claro. Brigando com tantos outros pra ser o primeiro. Ele tem chance. Bobagem. Um beijo na sua bochecha, minha querida. Opa! Se eu usasse saia-lápis (!), ia ficar escrito ali ‘saudade’.]

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  5. Sil…
    fácil fácil, a gente viaja, nas pontas dos seus dedos… cada tecla, cada letra, um destino diferente, no trocaldilho, na brincadeira entre uma linha e outra uma nova cor, um novo perfume…
    um beijinho desenhado pra você.
    Josi

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