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Plisdongôu

fita k7 arte: Jess Wilson

A Sara, professora de inglês meio maluquinha, colocou suas coisas sobre a mesa e começou a escrever no quadro-negro a letra de uma canção. A 6ª B foi ao delírio: era Please Don’t Go. Agora poderíamos cantar direito o hit do KC and The Sunshine Band, e mais, saber do que se tratava. O que, aliás, foi bem decepcionante – não fosse pela melodia que grudava na cabeça feito a cola Tenaz que a gente comprava na papelaria do Seu Remo. Plisdongôu, dongôôu auei

Copiei no caderno a letra, com letra bonita. Tenho uma fagulha de lembrança, inventada ou real, que a Sara levou um tocador de fita K7 no dia, pra turma ouvir e cantar junto. Corajosa, a Sara.

Foi assim que aprendi inglês: ouvindo música. Também costumávamos ganhar, de vez em quando, uns folhetinhos simplórios com letras traduzidas, um oferecimento da Fisk, a escola de idiomas do pedaço. De graça, o folheto era bem disputado. Uma sorte, cair nas nossas mãos. O negócio era torcer para vir com músicas que a gente gostava. Geralmente vinha, eles eram razoavelmente antenados com os top hits.

Certa vez ganhei um com a letra de Follow You, Follow Me, do Genesis. A letra era fácil, decorei rapidinho. Não tem uma vez que eu não me lembre dos folhetinhos, cada vez que a ouço. Na verdade, acho que essa música me segue. Conto pro Phil Collins ou não?

Hoje qualquer pessoa, num clique, encontra a letra de qualquer música e pode traduzi-la para qualquer idioma. Please don’t go em quirguistanês ou birmanês? Se preferir iorubá, tem. Esloveno? Tem também. E rapidinho: apenas 0,4 segundos. O Google Tradutor tem um milhão de Saras dentro dele.

Meus filhos nasceram na era da abundância de informação, a um toque de distância do que desejarem saber. Podem ouvir todas as músicas que quiserem, saber as letras, as traduções, assistir aos videoclipes, ouvir um sem-número de versões. Não precisam esperar o professor de inglês colocar na lousa, tampouco alguém lhes arrumar um folhetinho. Talvez, justamente por isso, não se interessem. Vivo sugerindo que procurem as letras das canções que gostam, mas eles nem tchum. “Depois, mãe”. O mundo facilita demais para eles. C’est la vie. Ou, em bom zulu: lokho ukuphila.

Tenho um buscador de lembranças embutido na cabeça. Bem mais rápido que o do Google. Uso-o à beça, nem preciso de Wi-Fi. Uso meu HD, mesmo (às vezes, ele me prega peças, fazer o quê). Não carece sequer traduzi-las. Estão todas no idioma universal da saudade. E posso ficar tranquila, não preciso nem pedir por favor. Elas nunca, nunca não se vão.