Crônica de minuto para quem está com fome

Quinta-feira, meio-dia. Recorro ao self-service da padaria. Se Jesus Cristo viesse filar a boia em casa, sem avisar, teria de topar dividir o marmitex. Sem muita vocação para ir além dos pães e doces, o lugar é bom de atendimento e a gente releva. Por isso, obedeço à mensagem no saquinho do pão, e volto sempre.

Pinço meia-dúzia de batatas no buffet e uma guarda da Guarda Municipal, farda azul-marinho e brincos miúdos, encosta no balcão. Chama o rapaz da balança no canto, quer ter um particular com ele. Fala-lhe baixo ao pé do ouvido. É feio prestar atenção na conversa dos outros, então faço a primeira coisa feia do dia (o brigadeiro no café-da-manhã, escondido das crianças, não conta; é a TPM). A guarda quer saber se pode pagar a quentinha depois. Pediu fiado. E seu olhar envergonhado denunciou: nenhum treinamento da corporação foi capaz de lhe preparar para a situação.

Guarda não é anjo da guarda, que vive de energia cósmica. Carece de arroz com feijão para patrulhar a cidade. Mas nem sempre o vale-refeição dura até o fim do mês. A minha vontade de lhe pagar o almoço só não foi maior que o medo dela chiar.

Se todo comerciante avisa seus clientes que “fiado, só amanhã”, a quinta-feira virou sexta.

2 comentários em “Crônica de minuto para quem está com fome

  1. A necessidade é a mesma para todos, independentemente da colocação, da profissão. Adorei a crônica de minuto. Me fez pensar em quantas situações parecidas já passei.
    Só teria feito diferente uma coisa: teria pago anonimamente, sem que a guarda ficasse sabendo quem foi. Da mesma forma que ela o fez, depois eu chamaria o rapaz da balança e quitaria o seu almoço!!! Mas sei o quanto é difícil pensar em soluções como essa tão rapidamente. Ficamos, então, com a boa intenção mesmo, confiantes de que, ao menos, em pensamento, agimos corretamente.
    Silmara, seu blog é uma leitura quase que obrigatória!!! Um grande abraço.

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  2. Já que o assunto é fome, vou aproveitar para deixar o seguinte comentário: não posso ler “crônica de minuto” que penso em “pão de minuto”, rsrs!! Lembro logo dos cafés na casa da minha avó, quando ela e minha mãe aprenderam a fazer pão e sempre rolava o tal do “pão de minuto”. Ou seja, a “crônica de minuto”, para mim, tem cheiro de pão quentinho, saído do forno… 😉

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