Sobre fazer gente

As Renatas, uma que é de Salvi e outra que é Rossi, são donas do blog “Olhos para o mundo. Elas me convidaram para escrever um post sobre a minha experiência com a maternidade. Escrevi. E elas postaram . Agora eu posto aqui.

Ilustração: Ahlam Baha/Flickr.com

Quando eu estiver diante de Deus para prestar contas, e ele perguntar o que fiz durante a vida, para ver se mereço tomar chá com rosquinhas em sua companhia na varanda do céu, aos sábados, direi: um bocado de coisa. Fiz amigos, irmãos, faculdade, festa. Tricô (crochê não), planos, piada e poesia. Fiz amor, não fiz guerra. Fiz de conta e fiz por merecer. Fiz que não vi, fiz por fazer, fiz sem fazer. Fiz chorar. Fiz tempestade em copo d’água. Fiz bolo para vender no colégio e vestido na máquina de costura da minha mãe. Fiz aniversário quase uma centena de vezes. Fiz de tudo para ser feliz. Mas se ele quiser saber do que mais me orgulhei de ter feito, responderei: gente.

Tenho um filho que não fui eu que fiz, já veio pronto: meu enteado. Meu primeiro filho foi, portanto, o segundo. Feito quando quase acreditei que não daria mais tempo. Deu. Hoje sei que havia tempo de sobra. A gente nunca entende direito o tempo do tempo. Depois, fiz minha filha. Não há nada mais poderoso que uma mulher com outra dentro. Costumo dizer que tenho, então, três filhos. Dois que saíram da barriga e um que entrou no coração. O que, no final, dá no mesmo. Tatuei seus nomes no verso do meu corpo. Publiquei o amor.

Brinco que quando se tem filhos a vida vira de ponta-cabeça. De cabeça para baixo a gente enxerga as coisas de outro jeito, é só fazer um teste na sala de casa. Com filhos, nos despedimos do sono tranquilo, do umbigo próprio, da vida no singular. Dizemos ‘até logo’ para a carreira. Por outro lado, damos boas-vindas aos novos personagens dos sonhos, às diferentes formas de trabalho, à vida no plural.

Fazer filhos é um processo artesanal. E é também como pintar os olhos: um sai sempre diferente do outro. Uma falhinha aqui, um defeitinho ali. É justamente esse o charme. Quando se decide fazê-los, não se sabe como eles virão. A vida não tira pedido. É tudo surpresa. Não há acasos, porém. Filhos são exatamente como precisamos que eles sejam, e vice-versa. Disso não se deve duvidar, muito menos reclamar. É bom repassar essa lição de vez em quando.

Gosto de ver meus filhos dormindo com o pai. Assim posso decorá-los com calma. Gosto de vê-los tomando banho. Gosto, sobretudo, de vê-los desenhar. Nessa hora eles recriam o que já esqueci. Gosto quando contam histórias sem sentido e fazem associações malucas. Gosto quando aprendem coisas novas; no fundo, estão é me lembrando que não tenho feito isso. Gosto quando cantam fora do tom, inventam notas e vão montando a trilha sonora das suas vidas. Gosto de reconhecê-los pelo cheiro e pelo gosto. Gostaria de carregá-los pelo cangote, como fazem as gatas. E gosto de ver o que não via antes deles.

Ao final da prestação de contas, caso Deus pergunte se os filhos me abriram novos olhos para o mundo, vou dizer que não. Meus olhos são os mesmos de antes. Tudo que fiz foi mudar a direção do olhar.

13 comentários em “Sobre fazer gente

  1. Silmara, realmente eu não tenho o hábito de citar a fonte das ilustrações que posto em meu blog. Realmente é importante prestigiar o belo. Beijos e obrigada!

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  2. Que lindo Sil!
    Não entendo muito sobre ser mãe,mas acredito que seja parecido o que a minha sente não é mesmo?
    Afinal,mãe é mãe!
    Beijos!

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  3. Lindo, lindo, lindo…maternidade é bem isso mesmo! E você sabe encontrar as palavras certas como ninguém. Eu tenho um filho de 10 anos e confesso que foi a minha obra-prima. Com defeitinho e tudo o mais, hehehe.

    Só vou dizer uma coisa: filho muda a vida da gente – pra melhor! Ser mãe dá um trabalha do cão mas vale a pena.

    um abraço,

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  4. Sil querida.
    lindo, lindo, lindo!!!
    Filhos viram mesmo a vida de ponta cabeça. E como a Lê virou a minha.
    Você tem toda a razão: continuo a mesma de sempre, mas mudei a direção do meu olhar.
    Minha estrela deu um sentido enorme para a minha vida.
    Seu texto, como sempre, é de uma delicadeza impar.
    Como me orgulho de ser sua amiga, querida.
    E pensar que muito do que sou hoje com a Lê devo ao seu apoio tão carinhoso.
    Obrigada pela dica do blog das Renatas. Já adicionei nos meus favoritos.
    Beijos mil.
    Ana

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  5. Também tenho um filho que saiu da barriga e outra que entrou no coração Sil. A maternidade é sublime. Costumo dizer que nunca soube o que é liberdade até ver meus filhos correrem no parque. Hoje entendo realmente o quesignifica amar incondicionalmente.
    Como sempre, me acabo de chorar com suas palavras.

    Beijos na alma!
    Layla Barlavento
    culpadowalter.blogspot.com

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  6. Lindo lindo seu texto!
    Me fez chorar!!
    Posso publicá-lo no meu blog? Darei os créditos e linkarei para cá.
    Seus textos são todos maravilhosos!

    Grande beijo

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  7. Maravilhoso texto! tenho um filho de 21 anos que é o resumo da obra da minha vida. Tudo que sou, que vivo, as coisas que tenho muitas vezes que engolir na vida, faço pela felicidade dele. Deus faz umas coisas indizíveis para plenificar nossa caminhada, uma delas, a de ser mãe!

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  8. SIL… nem sei como expressar! só posso te dizer q amo seus textos, mas esse, esse me fez soluçar de chorar!… talvez pela situação q estou vivendo, não sei, só posso te falar q me ajudou mto, me fortaleceu, abriu um pouquinho meus olhos q estão cegos!!! Uma vez te pedi permissão pra colocar “Carta para uma barata” no meu blog, foi o melhor texto q li sobre baratas, me identifiquei 100% com ele, rs, mas passou e só enviei pra algumas amigas via email (com devidos créditos e indicando seu blog, claro!)… Mas esse texto da maternidade… meu Deus, q lindo!!! COMO VC SABE ESCREVER!!! Parabéns e OBRIGADA!!! rs… bjão da Li – ah, esse vai pro meu blog tb, com certeza!!!!

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  9. Queria Silmara!!
    Linda a sua maneira de explicar o inexplicável, que é o amor de mãe.
    Amei cada palavra e te admiro mais um pouco por elas.
    bjaaaaaaooooooooooo…

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  10. Lindo isso… adorei a parte em que vc escreve: “Filhos são exatamente como precisamos que eles sejam, e vice-versa. Disso não se deve duvidar, muito menos reclamar.” – é isso mesmo… beijos

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  11. Que lindo Sil… filhos são assim mesmo, muitas vezes fico pensando se estou ajindo certo com eles, se ensino ou faço as escolhas acertadas, se cuido, se erro, se agasalho muito, se passo da conta, se deixo a desejar… são tantas as dúvidas e as combranças que tenho medo de me descobrir a pior mãe do mundo… depois lembro que amo muito meus rebentos e esse medo de errar me põem á prova… aí quem me socorre é o Edno, sempre tão ponderado, me dizendo que não preciso ter medo, a vida é assim mesmo… talves vejamos o mudo por outro ponto vista mesmo, talvez a maternidade mude radicalmente noss foco, nossos olhos deixem de olhar pra dentro e olhem pro mundo onde nossos pequenos irão viver e crescer, e os vemos por essa ótica, por olhos de leoa…
    Um beijinho Sil, e uma ótima semana.
    Josi

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