Troca-troca

Ilustração: Nilson Sato/Flickr.com

Não bastassem as tarefas que tenho de dar conta ao longo do dia, arrumo mais uma: trocar de bolsa. Mais do que mera combinação estética, a troca é um ajuste de forma e função, repleto de subjetividades. A bolsa da vez é escolhida de acordo com critérios solares, químicos, sócio-econômicos e geográficos. Variam conforme a estação do ano, o humor, a necessidade – sair com crianças, por exemplo, requer espaço e compartimentos a mais. Em todos os casos, velocidade e atenção são o que contam. Ontem fiz, em doze segundos, a transferência integral do conteúdo da bolsa vermelha, encorpada e séria, para a verde, risonha e molenga. Não foi tão rápida quanto uma troca de pneus na Fórmula 1. Mais ligeira, porém, que substituição de jogador de futebol no segundo tempo, para ver se sai gol. Quando o assunto é passar tudo de uma bolsa para outra, meu sonho é o teletransporte acionado pelo pensamento.

A agilidade induz a um efeito colateral. Demoro a levar as vazias de volta ao armário. Vão se espalhando sobre a mesa de jantar, no escritório, ao pé da escada. Uma vez, contei: quatro, tirando a do dia. Qualquer hora o marido chegará e perguntará se estou recebendo as amigas. Já confundi a empregada; ela jurou que eu estava em casa só porque viu minha bolsa pendurada na cadeira. Sempre ouço “Ficou na outra bolsa” em restaurante, padaria, farmácia. O acessório – que de complemento não tem nada – passa a ser réu pelo esquecimento.

Trocar de bolsa é vício. Dependência. Disfunção a ser tratada nas clínicas de reabilitação. Durante a recuperação, só se pode usar uma bolsinha preta, lisa, sem uma única divisão. Para desintoxicar. Difícil deve ser lidar com as crises de abstinência das pacientes, controlar o mercado paralelo, impedir a entrada ilegal de modelos escondidos em bolos de aniversário. Quem vai visitar deixa a sua logo na entrada. Por precaução.

Uma amiga, na pressa, colocou a bolsa inteira dentro de outra e saiu. Problemas com a cor da calça. Não lhe ocorreu trocar a calça, nem experimentar o inédito descombinado. Trocar a bolsa já estava na ordem do dia, como escovar os dentes. Para não enfrentar a desarmonia, optou pela sobreposição literal. Certo está meu pai: sempre usa uma sacolinha de supermercado para levar o guarda-chuva, o jornal, um agasalho para o caso de esfriar. Sem apegos, qualquer uma serve. Só tem troca quando rasga ou fura. Ele não sabe, mas assim está poupando os recursos do planeta. Ponto para a velha guarda.

A bolsa substituída funciona como um penteado novo a cada dia. Uma lente de contato colorida para os olhos. Uma tatuagem temporária. Uma terceira pele, já que a roupa é a segunda. Uma amante, enfim. Ou várias. É a infidelidade a tiracolo, tornada pública. Incentivada, perdoada e admirada. Sem mágoas, nem ciúmes.

11 comentários em “Troca-troca

  1. Nessas horas eu agradeço por ser homem!

    Mas nunca lembro se deixei a carteira na mochila preta ou na tiracolo azul. E ando precisando de uma marrom. A azul é levemente indiscreta.

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  2. Suspiro, aliviada: não sofro do mesmo mal, sozinha.
    Seremos vizinhas de quarto, na clínica de reabilitação.
    Mas, deixa eu ver que bolsa está usando, hoje?…

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  3. Adorei! Eu sou assim também..Meu marido ainda hoje não acredita quando, mesmo atrasada, vou lá trocar a bolsa. Coisas que só outra mulher pode entender…
    Bjs!

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  4. Me senti tão normal depois de ler seu texto…rs…Achei que meus problemas acabariam quando comprei, pela internet, um refil para bolsas. Contei os dias para a encomenda chegar, organizei tudo lá dentro, mas me decepcionei quando me dei conta que ele só funciona mesmo para bolsas totalmente sem divisórias, uma raridade para mim…Continuo no troca-troca.
    Beijos

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  5. Oi Si querida!

    Depois de ler esse texto fiquei pensando naquele nosso encontro… rsrsrs Deve ter sido assustador me ver sem bolsa! Só agora percebo a dimensão do meu “crime”! rsrsrs
    Continuo com a minha atividade marginal de andar sem bolsa… tem cura?
    Grande beijo

    Nara

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  6. SIl, adorei o texto! Me diverti horrores imaginando as cenas (e meu pai é igual com a sacolinha do guarda-chuva), mas… eu sou exatamente o contrário! Usos “A” bolsa, até ela se acabar. Geralmente é numa cor neutra, preta, marrom, bege, sempre resistente e “dou uma surra nela” enquanto ela aguentar.

    A frustração é quando ela “morre” antes de eu enjoar… Comprei uma em Barcelona que não durou 3 meses, e rasgou o fundo… sem possibilidade de conserto. ô dó, fiquei órfã de bolsa!!! Voltei para a aanterior, que havia sido descartada só pela “estrangeirinha exibida”, e fim.

    Bjo!

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  7. Oi Sil
    pois eu também adoro ter muitas bolsas, como toda mulher, imagino…
    Eu sempre ganhava bolsas da minha sócia que era mais louca opr bolsas que eu e não tinha muito apego, pois usava, cansava e me dava, hehehehe.
    Um dia até quiz comprar uma bem linda pra dar de presente a ela, mas ela me proibiu e escolheu um presentinho para o filho Pedro (hi, hoje é aniversário dela, preciso ligar!!) Mas voltando as bolsas, costumo eleger uma e usar até enjoar, agora uso uma preta, não muito grande nem pequena, básica, de alças curtas… quando cansar dela, abrirei a mala de viagem e de lá tirarei a próxima bolsa a ser usada… não são muitas as opções mas não consigo me desfazer de nenhuma dessas que tenho agora… Será que Ro, tem acumulado bolsas depois que fechamos o escritório?? Vou ligar pra ele depois, mas não vou perguntar sobre isso… hehehehe
    Beijinho Silmara

    Josi

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  8. Oi, Silmara
    Me diverti muito com esse texto. Tenho umas cinco bolsas jogadas no meu quarto e o resultado é que, além da bagunça, acabo usando só (?) essas e deixando as outras esquecidas no armário…rs…

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  9. Oiê!
    Silmara acabei com esta confusão de esquecer algo na bolsa ,ou na outra bolsa,quando aderi uma necessaire, onde vc coloca tudo nela e depois é só transferi para a bolsa do dia, ruim é quando a necessaire é maior do que a bolsa que vc vai usar, enfim ainda bem que a confusão existe e vc escreve este texto maravilhoso.
    Bom fim de semana ,cheio de Boas Vibrações!

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