Verde-água

sutiã

Noite de Natal. Foram todos dormir, menos eu. Fiquei na cama, admirando meu presente. Um sutiã de “menina moça”, como se dizia. Verde-água, a cor. Minha mãe achou que estava na hora e que eu ficaria feliz. Feliz eu fiquei, mas não era hora. Demorei a usá-lo. Não havia necessidade. E, ainda que houvesse, tinha a vergonha.

A adolescência é uma fase verde-água. Não é exatamente verde, mas também não é azul. Um meio termo confuso, que não deixa de ser bonito.

Fecho os olhos e quase posso vê-lo, aqui em minhas mãos. Miniatura dos sutiãs da minha mãe, tão maiores. Quando escolheu o meu modelo na loja, Dona Angelina não imaginava os dramas que viveria com os próprios peitos.

Na escola, eu observava as meninas de treze, mais velhas e iniciadas nas curvas e nos sutiãs. Fora da curva, eu só tinha retas. Pensava, “Quando eu tiver treze, então”. Os treze chegaram, as curvas não. Otimista, concluía: “É com quinze”. E assim os anos se passaram, tangenciando minha frustração. Aos poucos, eles se instalaram. Eu que não estava madura, antes. Estava verde. Verde-água?

Primeira boneca Suzy, primeiro par de botas, primeiro relógio. Tem presentes que ficam eternizados na lembrança. Embora não me recorde com precisão quando ganhei cada um. A gente deveria ter um memorial de datas importantes, válido para outras coisas, também. A primeira vez que comi nhoque, por exemplo. Ou o dia em que, criança, ainda, ouvi o disco do Renaissance e achei a voz da Annie Haslam a coisa mais linda deste mundo. Quando foi que um gato ronronou no meu colo pela primeira vez? E a primeira mordida de cachorro? O primeiro (blargh!) beijo. Queria as datas exatas, dia, mês e ano. Para quê, exatamente, não sei.

Depois que minha mãe operou, passou a usar um sutiã com bojo recheado de minúsculas sementinhas, para disfarçar a ausência de uma das mamas. Ela mesma o confeccionara, até que ficou bom. Anos depois, ela morreu. Se é verdade que o primeiro sutiã a gente não esquece, o último também não.

Que terá sido feito do meu, o verde-água? Um dia, ficou pequeno. Ou foi para o lixo ou habitar o armário  de outra garota, também estreante na adolescência. Num mundo redondo e circular, o tempo todo há algo começando.

Dia desses, olhei minha gaveta. Está na hora de renovar meus sutiãs. Ou aposentá-los de vez. Notei também que a Nina logo, logo vai usar. Quem sabe ela não ganha um bem bacana? Verde-água, para perpetuar a tradição que acabei de inventar. Próximo Natal, talvez.

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