Ômega 3

 
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Telefone tocou em casa. Era o Moacyr Franco.

Na gravação, meu não-parente anunciava, com forçada animação, um tratamento à base de ômega 3 que, segundo ele, faria milagres pela minha saúde.

Desliguei antes que ele terminasse seu script. Abreviei meu sofrimento. O dele também. Porque há de ser sofrido construir sólida carreira artística por cinquenta anos e acabar no telemarketing.

Era segunda-feira de manhã, e às segundas pela manhã o humor negro está autorizado por Deus. Pensei: felizes os artistas que morrem cedo, no auge de suas carreiras, e eternizam-se. Como Jim Morrison, Marilyn Monroe, os rapazes dos Mamonas Assassinas – cada um no seu quadrado e relevância. O mundo lembrará deles pelos seus legados que, post-mortem, ganham superlativos. As gerações mais novas, agora, talvez saibam de Moacyr Franco não pelos seus seis troféus Roquette Pinto, mas pelo spam que topou assinar aos oitenta anos.

Sou Franco por herança paterna. Era criança quando peguei birra dele. Do sobrenome, não do meu pai. Primeiro, porque as crianças praticavam bullying comigo na escola. “Silmara Frango”. (Um bullying inocente que sequer se chamava bullying. Mas que rendia uma tristeza infinita à criança que já padecia por conta das sardas e virara “banana”.) Segundo, porque nasci na década em que o Moacyr começou a fazer sucesso. Quando perguntavam meu nome e eu respondia, in-va-ri-a-vel-men-te emendavam com outra pergunta: “Você é parente do Moacyr Franco?”. Inquisição que se repetiu, com menos intensidade, à época do Itamar Franco, o vice que virou presidente. (A gente precisa, não de hoje, prestar mais atenção aos vices.)

Estou a uma semana dos meus quarenta e nove, olho meus filhos esparramados no tapete brincando com os gatos. Sou, tirante momentos de cólera e impaciência, boa mãe. Se, aos oitenta, eu resolver implementar minha própria sociedade alternativa e “tomar banho de chapéu, ou esperar Papai Noel, ou discutir Carlos Gardel”, meu legado materno-afetivo será maculado e eu serei reconhecida apenas por ser a mãe velha e doida? Será que, no final das contas, nós somos lembrados pelo que fazemos no final das contas?

Por via das dúvidas, melhor garantir a saúde. Eu não deveria ter desligado o telefone.

 

 

4 comentários em “Ômega 3

  1. Console-se comigo: jamais escapei da observação Mariel? Mariel Mariscô? Anos depois vinha sempre a pergunta “você é dono de um porto em Cuba?”. Console-se comigo: fidel castro jamais vai te telefonar.

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