O pum essencial

Foto: Juan Andres Martinez/Flickr.com

Soltar pum perto do marido, no recôndito do lar, não é, exatamente, sinal de intimidade. Não configura crime, talvez contravenção. Indício de que se passou muito tempo depois do “sim”. Red alert?

Nove entre dez flatos não escaparam, foram libertados. Seria o alforriado mais nocivo ao casamento que toalha molhada na cama, tampa do vaso sanitário levantada, calcinha pendurada no box, arrotos de setenta decibéis e outros clichês da vida a dois? O pum fora de contexto pode cheirar tão mal quanto a frase proferida do jeito ou na hora errada: “Temos mesmo que almoçar com seus pais?”.

Fechar, ou não, a porta antes do xixi na suíte do casal, eis a questão. Os manuais das boas maneiras entre maridos e esposas pregam que sim. E se o aperto surgir, incondescendente, e estiver passando na TV do quarto uma entrevista com a Adélia Prado? E se for a final do Brasileirão? Quando se compartilha a esponja do banho, fica difícil estabelecer as fronteiras entre o público e o particular. Aonde vai morar a liberdade quando os CEPs se unem? Tolice tentar manter intacta a aura do translúcido véu de noiva.

Que casamentos são um conglomerado de concessões e negociações, até os filhos percebem. Obedecer aos tais manuais, porém, é simplesmente fazer coro no lugar-comum da vida a dois. Há que se reinventar a intimidade pós-casório. Não há segredo que resista ao fio dental, ao gargarejo, ao aparo das unhas dos pés. É preciso criar novas configurações de privacidade, como se faz nas redes sociais. Saber injetar (com o perdão do trocadilho) um gás na relação e manter as coisas acesas, sem depender das portas fechadas e das charadas amorosas que, com os anos, vão ficando tão fáceis de adivinhar.

O cofre de um casamento é outro.

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4 comentários em “O pum essencial

  1. Sempre me pergunto como é exatamente que, em um relacionamento, ocorre a mudança entre as “boas maneiras” e o “dá pra você não soltar pum ao menos enquanto eu estiver comendo?!?”, rs! Certamente é melhor manter certos eventos da vida biológica longe dos olhos (e narizes) dos nossos parceiros. Por outro lado, é reconfortante saber que a intimidade faz com que as “gafes” sejam acolhidas com maior carinho e senso de humor…

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  2. O cofre de um casamento, de cada casamento, com certeza é outro… mas portas fechadas para puns, xixis e “números 2” são sempre bem vindas para a longevidade da relação…tem coisas que ninguém merece escutar/cheirar a não ser o próprio dono!
    Belo texto!
    Bjs

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  3. A intimidade pode ser uma rotina de corpos ou uma cumplicidade de almas.
    Felizmente uma relação não vem com manual de instruções.
    Se viesse, teria uma única língua… a do Amor.

    Boa noite…

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