Campinas, 2000
Das primeiras vezes que saímos juntos, ele me levou a um bar chamado Dalí. Eu ainda não sabia, mas estava diante do pai dos meus dois filhos.
O Dalí ficava numa casa grande e charmosa, com mesas espalhadas pelo quintal, ao pé de uma antiga árvore. Pouco guardei do lugar na memória, exceto, talvez, a árvore. Eu não sabia, mas o dono, da casa e do bar, era o Rubem Alves.
O bar não teve vida muito longa.
2010
O mais velho fez seis anos e mudou de escola. Foi para o primeiro ano. A escola é em outro bairro e o caminho novo se tornou o itinerário de todo santo dia, duas vezes ao dia, na ida e na volta.
2013
A amiga mostrou um folheto. Restaurante novo, perto da escola. Eu já havia visto a placa. Afinal, passávamos em frente a ele todo santo dia, duas vezes ao dia, na ida e na volta. Disse ela que a comida era boa, então fomos lá almoçar. Depois, seria só deixar as crianças na escola, a dois quarteirões dali.
A amiga tinha razão, a comida era boa. E o restaurante ficava numa casa grande e charmosa, com mesas espalhadas pelo quintal, ao pé de uma antiga árvore.
Troco dois dedos de prosa com a dona. Eu não sabia, mas estava no velho Dalí, agora sob novo nome – Flor de Pimenta – , nova direção, novo tudo.
Não me dei conta de que estava, com meus filhos, na mesma casa onde funcionara o bar em que fui com o futuro pai deles naquele ano de 2000. São os nós, ou laços, ou voltas, do tempo.
Nem percebera que, há quatro anos, passo ali em frente. Não reconheci a rua, por certo mudada desde aquela época.
Quantos fatos semelhantes devem, neste exato instante, rodear minha vida, sem que eu os note? Quantas coisas vivo e revivo o tempo todo, sem saber das conexões que as envolvem? Quantas pessoas encontro, não por acaso, mas por obra de um inteligente e certeiro objetivo? Quanto, daquilo que importa, ainda não sei?
A vida deveria vir com um alerta automático, um bipe universal, notificando cada acontecimento que merecesse um pouco mais da nossa atenção.
2014
O restaurante, assim como o bar, também não teve vida longa. Mal abriu, fechou.
Rubem Alves está internado desde o dia 10 de julho no Centro Médico de Campinas, com infecção pulmonar. Desejo que ele viva muito, mas também desejo que esse tão-tão-querido siga seu melhor caminho, seja qual for. (Ninguém tem “bem” no nome à toa.)
O meu, já sei: em dez dias as crianças recomeçam as aulas, e será hora de tornar a fazer o mesmo itinerário de todo santo dia, duas vezes ao dia, na ida e na volta, e passar em frente à árvore do velho Rubem.
Independente de qualquer coisa, sigo aguardando, confiante, pela invenção do tal bipe universal.