Paralelas

listras 1.jpg

Não uma, nem duas; o negócio era agasalho de três listras. E tinha que ser da Adidas. Se tivesse o ziperzinho na barra da calça, então, era a glória nas aulas de educação física. As três retas, paralelas e mágicas, se encontravam no infinito do meu desejo adolescente. Habitavam o imaginário da escola inteira, do bairro, quiçá do planeta.

A matemática, exata e implacável, teoriza: três é mais que dois, que é mais que um. Três listras na roupa, portanto, era mais legal, mais bonito, mais tudo. Como as estrelas dos hotéis; quanto maior a constelação, melhor. Se algum colega aparecia tri-listrado, presente de aniversário ou coisa do tipo, logo se formava discreto burburinho, com breves notas de invejinha. A felicidade é ímpar.

O problema é que agasalho da Adidas era caro pra chuchu. Tive que me contentar com um genérico. Duas listras e só. Paciência.

Certa vez, uma colega apareceu na aula com um agasalho simplório, apenas uma listra nas mangas do blusão e na calça. A situação daquela família, concluí imediatamente, não deveria ser lá muito boa. Cheguei a ficar levemente compadecida, quis dividir meu lanche com ela.

Minha mãe não entendia o que tornava a terceira listra tão valiosa. Como se fosse espécie de terceiro olho, terceira margem do rio, terceiro segredo de Fátima. Eu não sabia explicar. Tal paixão cega, a minha pelo logotríplice também não se explicava.

Ontem saí com meu filho, ele está precisando de chuteiras. Quer uma da Adidas. Enquanto o vendedor mostrava os modelos e enaltecia a tecnologia do sistema de amortecimento, era para as três listras o meu olhar. As paralelas do meu passado, me reencontrando no infinito do presente.

Descobri que reparo nas listras dos outros. Se for agasalho esportivo, como os da Adidas, não tem jeito: conto quantas tem. Inconscientemente. Estabeleço, na hora, fugaz avaliação das pessoas com base na quantidade de listras que exibem – tal fiz com a colega da listra solitária. Com quem divido meu lanche, agora?

Meu filho não está nem aí com as listras da Adidas. Outros elementos na chuteira nova o encantam. Por exemplo, o craque que usa uma igual. Seus desejos são outros, diferentes dos meus, quando tinha sua idade. E, embora sigamos lado a lado, pode ser que eles se encontrem no finito das nossas vidas.

4 comentários em “Paralelas

  1. Pois saiba a amiga ouvinte que único agasalho adidas que eu tive não tinha listra alguma! Sério! Era um moleton cinza, forrado (portanto quente pa dedéu), com um mísero logo marrom estampado no lugar onde se estampa logo de agasalho, tão diminuto que se podia ocultar com o polegar na horizontal, e só. Mas eu usava como se fosse um fraque, somente em ocasiões muito especiais. Como, por exemplo, quando ia passar a tarde entre o Ibirapuera e Congonhas a bordo da Caloi 10. Durou uns cinco anos e depois entrou para a história. E como eu fiquei sem saber como encerrar este comentário, deixo aqui simplesmente este ponto final. (PS: por puríssimo acaso, o tênis que aquece meus pés nesta sexta-feira chuventa e fria ostenta as tais três listras!)

    Curtido por 2 pessoas

Quer comentar?