Já é paciente?

temperance

Liguei, queria marcar a consulta.

 

– Já é paciente?

 

Segurei o telefone no ombro, comecei a rabiscar a agenda.

 

– Ainda não – suspirei. Embora tente ser. Ontem, na avenida, peguei pela frente uma senhora de chapeuzinho florido – quem usa chapeuzinho florido nunca tem pressa, reparou? – guiando seu carrinho a dez por hora. Sem chance de ultrapassá-la, restou-me ir a dez por hora também. O quarteirão ficou interminável, menina. É verdade, colei um bocadinho na traseira dela, fiz pressão. Bufei, também. Mas não buzinei. Fui, portanto, razoavelmente paciente. Chego lá. A não ser, e isso eu preciso dizer, quando estou na fila do fast food e a pessoa à minha frente (sempre elas; as pessoas à frente, pondo à prova nossa paciência) resolva perguntar, em detalhes gastroinquisidores, o que vem nos pratos, se o frango é grelhado ou assado, se a maionese temperada vai ovo?, é alérgico a ovo, batata sauté ou frita, qual será que combina mais? E, apesar da rara boa vontade do atendente, descrevendo o modo de fazer de cada coisa, a pessoa tudo ouve e solta um lacônico, mortal e indeciso Aaahn. Por que é tão difícil simplesmente pedir o combo número 3? Então está bem, confesso, ainda não sou paciente. Folheio revistas do fim para o começo, sempre dou uma espiadela nas últimas páginas dos livros quando ainda estou no primeiro capítulo, completo a frase de quem demora a concluir o pensamento. E já que estou contando isso, perco a paciência, sim, quando meu pai tenta colocar o cinto de segurança no carro. É ele demonstrar o primeiro sinal de dificuldade e eu assumo o comando, “Assim ó, click, pronto!”. A impaciência, descobri, é prima de segundo grau da solicitude. Mas não se bicam muito. Diga-me, a espera para quem não é paciente está muito grande? Não sei se você percebeu da outra vez que estive aí com o doutor, tenho tatuada a palavra “paciência” em meu braço. Foi a maneira que encontrei de, digamos, desenvolvê-la. O problema é que as pessoas ficam perguntando se funciona, e geralmente eu não tenho paciência para ficar respondendo. Não sou como o Lenine, que finge tê-la. Para ser honesta, não devo mesmo me orgulhar do meu estoque de paciência. Em especial com adolescências, velhices e lojas que querem fazer meu cadastro. Como na vida é preciso, em algum momento, lidar com as três, ao mesmo tempo ou não, o jeito é treinar dia após dia, após dia, após dia. Sendo assim, posso dizer: sou paciente em progresso. E tenho genuína boa intenção. Prova disso é que esperei a Maria-Fedida botar seus quatorze (quatorze!) ovinhos no batente da porta antes de passar com as compras do supermercado, apenas para não incomodá-la em seu trabalho de parto. O doutor há de levar isso em consideração. Aliás, será que ele tem horário para hoje?

4 comentários em “Já é paciente?

  1. O combo número 3 vem com cebola, que faz um mal danado pra minha saúde.
    Sempre preciso pedir que façam sem cebola.
    Espero nunca estar à sua frente na fila do trashfood… 🙂

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  2. Que belo jogo você fez com a palavra paciente!No caso de alcançarmos a tal da paciência não há quem possa nos ajudar,corre por nossa conta mesmo

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