Ele se aproxima do balcão do caixa. A moça confere as etiquetas das roupas da freguesa e, uma a uma, passa-as pelo leitor de preços. Blip.
Ele, tímido, pede licença. “É aqui que entrega currículo?”.
Ela, entediada, não tira os olhos das etiquetas. “Não, é com Fulana”.
Ele olha ao redor e não identifica ninguém com chance de ser Fulana.
Tímido e nervoso, ele tenta novamente. “Ela está?”.
Entediada, lentamente ela apanha o rádio e chama Fulana. Retorna às roupas da freguesa, blip, blip. “Ela já vem”.
Apressada, Fulana chega e quer logo saber, “O que é?”.
Ele, tímido, nervoso e envergonhado por, indiretamente, ter atrapalhado a supervisora em suas importantes atividades de supervisão, mostra-lhe o papel e se apresenta. “Vim deixar meu…”.
Antes que ele termine, ela – que identificara o papel nas mãos dele, mas não olhara para seu rosto – o interrompe e chama a atenção da colega entediada, lenta e, pelo tom da bronca, também desavisada. “Currículo não é comigo. É com Beltrana!”. Apressada e irritada, Fulana se desculpa e vai embora.
A moça do caixa já atendia a próxima freguesa. Interrompe mais uma vez a conferência das etiquetas e chama Beltrana, que está vestindo manequins no outro lado da loja. “Ela já vem”.
Desinteressada, Beltrana chega e quer logo saber, “O que é?”.
Falta emprego no país. Mas falta empatia e gentileza também.
Ele, tímido, nervoso, envergonhado e agora também constrangido pela fila de freguesas que o assiste em silenciosa e quase maternal compaixão, se apresenta.
Sou a próxima no caixa, espicho os olhos e leio o nome em destaque no cabeçalho do papel sulfite. Sergivânio.
Beltrana recebe o currículo e guarda-o na gaveta do balcão. Sergivânio agradece a atenção. Ela volta aos seus manequins. Sergivânio guarda sua esperança no bolso da camisa verde e volta para casa.
Vou pensando nas pessoas cujos nomes compuseram o do candidato. Pai Sérgio e mãe Vânia? Avó Sergina e avô Ivânio? Seja quem for, nenhum dos homenageados saberá: o currículo de seu filho ou neto talvez jamais saia daquela gaveta.
Ou quem sabe, em um dia de arrumação, Cicrana o encontre. E, ao contrário de Fulana e de Beltrana, lhe dê alguma atenção.
já estou torcendo por ele…
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Ah, como eu gostaria que todos os Sergivânios desse país, algum dia, no reino da utopia, pudessem tornar-se chefes dessas fulanas e beltranas que passam longe da empatia.
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Todos que já passamos por essa situação se sensibiliza com Sergivânio. Bom te ver de volta!
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Ahahahahahahaha… Retornou com a olhadela nada míope e com as conexões sempre surpreendentes.
PS.: Sergivânio também estava de pé às 05:09hs. Eu, te lendo. Ele, pegando o trem para Calmon Viana. Foi entregar outros CVs. 😎
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Sei bem como é isso… Apenas que o meu nome não é tão… digamos… alternativo (pelo menos, não no meu país… hahahahahaha!!)
(Foi bem de férias, afinal?… 😉 )
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