As ruas

 

No bairro onde nasci e cresci várias ruas têm nomes de cidades.

A minha era a rua Natal. Cruza com a Jaboticabal, é paralela à Teresina, que acaba (ou começa) na rua do Acre. Que, excepcionalmente, é estado. De criança, sem saber ler e escrever, eu aprendia oralmente os nomes das ruas. Então, essa ficou sendo rua “Duacri”. Até hoje, não sai “do Acre”, com as vogais abertas. É Duacri.

Na escola, aprendi sobre aquele batizado urbano. Porém, em meu egocentrismo infantil, não eram as ruas que tinham os nomes das cidades. Mas as cidades que tinham os nomes das ruas do meu bairro.

Por muito tempo, a base do nome da minha rua foi 25 de dezembro. Era bom viver num lugar que lembrava Papai Noel o ano inteiro.

Gostava de um menino que morava na rua Guareí, mas o primeiro beijo foi com um da rua Florianópolis. Quase me casei com o que vivia na rua Porto Alegre. Que acabou ficando com uma moça que tinha o mesmo CEP.

Tem sempre uma história de amor em cada esquina.

Tenho uma relação afetiva com cada uma das ruas do meu velho bairro. A rua da minha escola, a rua da pastelaria que não existe mais, a da papelaria onde eu namorava as canetinhas Sylvapen de 12 cores, a rua da minha amiga que morreu tão cedo.

O bairro onde nascemos é o umbigo do nosso mundo. A gente nunca cerra, totalmente, o cordão umbilical geográfico. Ele nos acompanha em nossos novos endereços, vai se enroscando. Somos a soma de todos os logradouros onde criamos alguma raiz.

Deve ser por isso que a vida de todo mundo é tão cheia de nó.

7 comentários em “As ruas

  1. Sil, viajei na leitura, aliás, como sempre! Refiz a última frase (desculpe-me a ousadia mais uma vez…) Ah, esses entrelaçamentos…deve ser por isso que a vida de todo mundo é tão cheia de “nós”…

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  2. Bela crônica, dear! E me fez lembrar que, quando morava em Cambuí, fiquei curiosa pra conhecer a Rua Schilling (coincidentemente bem pertinho da minha casa agora), escrita num papelzinho por um cara de São Paulo que ‘paquerou’ minha melhor amiga da adolescência…e ele nunca mais apareceu. ❤

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  3. Perfeito, como sempre, Sil! Depois de milhões de anos, voltei a morar no mesmo bairro onde passei minha infância. Não faltam lembranças, comparações de como era e como está. Delícia tentar desatar alguns nós que às vezes teimam em confundir nossas lembranças. Beijão.

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  4. Ah Sil, sempre bom demais aparecer por aqui e ler suas linhas. Identificação inclusive com as canetinhas Sylvapen que eram meu sonho de consumo quando criança. Boas lembranças você despertou com essa crônica. Bj

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  5. Cheia de nó e talvez por isto este seja o fio da meada! Rsrsrs. Hoje estou em Campinas. Cearense tá em todo canto. Dia 11/12 regresso aqui para ver o Gilmour no Allianz Park. Beijos.

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