A mentira da princesa

Foto: Mr. Cacahuate

A menina nasce e logo surge uma legião, encabeçada por papai e mamãe, a chamá-la de princesa. É princesa pra lá, princesa pra cá. Das festas de aniversários à decoração do quarto, ela encarna a coroa imaginária recebida na maternidade, reforçada agora pelo maravilhoso mundo de Disney.

Ser princesa é elogio. Mas será que é mesmo um bom negócio? Eu que não me atrevo a perguntar ao espelho da Rainha Má.

Meninas sonham ser, de verdade, como as princesas em seus brilhantes vestidos arquitetônicos. Mas não têm ideia de como deve ser brincar numa piscina de bolinhas metida em um deles. Se dão trabalho para colocar uma camiseta e um short-saia para ir à escola de manhã, imagine para vestir um corpete.

Deixando o conto de fadas de lado e indo para a vida real, ainda não me parece bom negócio.

Princesas não podem usar moletom velho, nem sair na rua com piranha no cabelo.

Princesas não podem arrotar livremente depois de bater uma coca-cola e um cheeseburguer com os amigos. Aliás, que amigos?

Princesas não podem ter, com relativo sossego, conta no Facebook. Tampouco ir dormir na casa da amiga, nem lavar o carro com mangueira num dia quente de verão.

Princesas até podem se casar com plebeus mas, para todos efeitos, é melhor juntar os trapinhos reais com um príncipe. E todo mundo sabe que príncipes, em especial os encantados, não existem.

Princesas não podem pegar uma mochila e sair pelo mundo. Só se for em avião próprio, com uma comitiva de baba-ovos e agenda programada, sem chance de uma escapulida para tomar um café num vilarejo desconhecido. Uma princesa jamais viverá a enriquecedora experiência humana de ter seu laptop roubado em uma estação de trem.

Princesas raramente conseguem assistir, incógnitas, a um show da Madonna – essa sim, uma espécie de princesa, só que ao contrário. (E, vamos combinar, do balacobaco.)

Porque princesas devem ser educadas, gentis, imaculadas, certinhas. Já viu princesa mostrando o dedo do meio para alguém? Princesa no meio dos Black Blocs? Não. Tirante algumas regalias e confortos tão almejados pela plebe, como não precisar lavar roupa, nem conferir extrato bancário, vida de princesa é, no geral, um porre. Um fingimento constante e um cumprimento sem fim de protocolos sociais, como marcar presença em festas aborrecidas e inaugurações entediantes. Um mundo cor de rosa? Só se for rosa antigo.

Ser princesa deve ser tão perigoso, que dar o título simbólico à filha, sua ou dos outros, deveria ser considerado mau agouro. Praticamente uma maldição. Um incentivo à nova leva de brancas de neve, belas adormecidas e cinderelas, candidatas aos feitiços invisíveis do mundo pós-moderno e sem direito a príncipes para salvá-las.

Mas chamar a filha de princesa significa proclamar que ela é linda, perfeita, digna de um pedestal. E se a relação entre princesa e beleza não passar de rima?

(Meninas são princesas e meninos são super-heróis. A elas é concedida, como nos clássicos, a beleza e a bondade. A eles, a bravura e a justiça. Nesse mundo de faz-de-conta, sempre faltam príncipes para as primeiras e super-heroínas para os segundos. A conta nunca fecha. E agora, Walt?)

Há quem assim as chamem sem nem saber direito o porquê. Perpetuam o mito e não percebem que, assim, encastelam suas filhas, fazendo-as crer que são seres feitos de material especial, que são quebráveis. Obrigadas à beleza e condenadas à masmorra da idealização romântica ou, pior, ao fosso da frustração.

E muitas, quando crescem, caem nesse conto. Que nem de fadas é.

Fantasia por fantasia, melhor ser abóbora. Das que não ligam para o relógio, viram carruagem e vão aonde querem.

6 comentários em “A mentira da princesa

  1. Concordo com a Leda, é só uma fase, a vida se encarrega de mostrar que não é bom ser princesa e que os príncipes que chegam “para nos salvar” precisam tanto de nós quanto nós deles.
    Quanto sonhei com um lindo vestido de baile; com carruagens que me levassem pela floresta; quanto me preveni quanto aos lobos, fugindo deles; como consegui construir a casa forte, indevassável; quanto temi morrer e deixar meus filhos nas mãos de uma madrasta; enfim, sonhar faz parte da vida e os contos de fadas são apenas histórias, como as ficções científicas. Ou não é bobagem querer a vida no tempo dos Jetsons?
    Beijo, Silmara.

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  2. Fiquei imaginando olhar pra uma filha e dizer: “oh, minha abóbora”… rs.
    É, amiga. Nem o céu e nem o inferno. Somos nomeados e batizados pra quê? Ora pois! Usemos os nomes e ponto. E que a maioria de nós JAMAIS recorra a dicionários para saber o significado do próprio nome ou, fudeu. Melhor acreditar que se é princesa… kkkkk
    Bjs

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  3. ser princesa é parte da fantasia ,do encanto de ser criança…é um mundo maravilhoso,cor de rosa,mas tem hora para acabar…e vai acabando aos pouquinhos,não é a meia noite como no conto de fadas,basta crescer…
    Silmara…o melhor comentário para suas cronicas é dizer que vou compartilhar…são boas demais!!

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