Desde que deixei de tingir meus cabelos, há duzentos e vinte e seis dias, e passei a exibi-los na cor que Deus quer – e quis Ele que fossem, na maioria, brancos – , tenho ouvido de tudo. O mundo é feito de três tipos de mulheres: as que acham horrível deixá-los à mostra, as que acham bonito, e as que acham bacana, mas não para elas.
Dos predicados a mim atribuídos por conta da atitude, “corajosa” é o que eu mais acho graça.
De tanto ser considerada uma mulher de coragem por assumir meus fios albinos, deduzi que a possibilidade de ser chamada de velha assombra as mulheres mais que o câncer de mama. A coloração está em dia. A mamografia, nem sempre.
Não foi preciso respirar fundo para dizer bye-bye às colorações que me acompanhavam há vinte anos. Tampouco tremi, pensando o que seria de mim sem elas.
Coragem, para falar a verdade, é usar salto de quinze centímetros.
Coragem é almoçar fora todos os dias, sem a garantia de que o rapaz que preparou a sua salada lavou as mãos depois de ir ao banheiro.
Coragem é desembolsar quatro dígitos em uma calça jeans. Feita do mesmo tecido, aliás, que a vendida na loja de departamentos, cuja etiqueta não ultrapassa dois.
Corajosa é quem devora a caixa de Amandita à uma da manhã. Ou quem levanta às cinco para fazer ginástica, antes de ir trabalhar.
Coragem é entrar em um prédio em chamas para salvar o bebê que está lá dentro.
Coragem é discordar, com propriedade, do presidente da empresa na frente dele e da turma do Conselho.
Coragem é topar um emprego de assistente social na região mais violenta da cidade.
Coragem é sair do armário.
Coragem é ter o terceiro filho.
Essa mulher, sim, é valente.
Assumir os cabelos brancos, perto disso, é fichinha. Sou café com leite. E, já que o assunto é branco, mais leite que café.
Eu, que de bravura tenho pouco a expor, só fiz descobrir que branco é apenas mais um tom para a gente se divertir. Mais uma opção, assim como o castanho e o vermelho, na paleta de cores da mulher possível.
Notas:
1. Eu disse que ia de branco, um dia.
2. Vem ver meu “Diário de um cabelo branco“ no Facebook.
Ai..então,primeiro eu tive a terceira e há 40 dias ou mais,não lembro,resolvi não mais pintar,aos 35 e pintando desde os 16…(cabelos brancos desde os 26). Belas palavras.
CurtirCurtir
A castração histórica das mulheres, os moldes e modelos, as prisões seculares e sociais com as quais atravessamos séculos… Tudo isso ainda deve ser visto de uma forma permanente e imutável? E que, quando “quebrado” é visto como REBELDIA? Quebrar “estigmas” é rebeldia? Ser diferente do “histórico social” das mulheres é rebeldia?
Não, isso não é rebeldia; isso é sim, CORAGEM. É sair de um padrão. É sair de um modelo. É sair de uma prisão socialmente imposta.
Que a mentalidade das mulheres que veem isso como CORAGEM esteja respaldado não na CORAGEM REBELDE, como citou a Sra. Leusa, mas na coragem capaz de mudar padrões, prisões, tabus. A coragem branca e limpa, que faz com que andemos pelas ruas com nossos cabelos brancos em total paz. Lindas.
Um beijo gris, Silmara Franco.
Huck
CurtirCurtir
Realmente, coragem é ter o 3º filho, como eu tive. rs
Só preciso de atitude, agora, para abandonar as tintas. rs
Beijo!
CurtirCurtir
Silmara, discordo em parte do seu texto. É sim um ato de rebeldia, portanto corajoso, se manter na contracorrente de um estigma histórico sobre as mulheres. Raras as sociedades tradicionais que valorizaram o branco para nós. Por isso as mulheres repetem: corajosa. Estão adjetivando em comparação com a “falta de coragem” para enfrentar o tabu.
Sou a favor de todas as formas de expressão — e o cabelo é justamente a parte do corpo que mais permite experimentações. Também me sinto escrava da tinta, por opção estética e por vaidade. Boa sorte na sua identidade de cabelos lindos e brancos!
CurtirCurtir
Excepcionalmente, este eu respondo por aqui! É uma honra receber neste modesto blog a visita de Leusa Araujo, uma autoridade no assunto. Para quem não sabe, Leusa é jornalista, escritora, pesquisadora do núcleo de novelas da Rede Globo e autora, entre outros, do “Livro do Cabelo” (Ed. Leya), resultado de seis anos de pesquisa sobre o dito cujo.
Sim, sim, Leusa… sob a perspectiva cultural e histórica, claro que é uma rebeldia. Quis, no meu texto, dar um tom bem humorado à coisa, falando sobre outras coragens que algumas mulheres têm, e que me botam no chinelo no quesito bravura. Qualquer hora, tomamos um café (quem sabe com Janu e Dinah também?) e falamos mais a respeito… Beijos e obrigada pelo comentário!
CurtirCurtir
Sil, você tá mais do que certa, nessas definições de coragem. Eu poderia (de novo) assinar esse texto!!!
Ah, vá, mas eu sou corajosa de comer acarajé quase todo dia!!! hahahaha
CurtirCurtir
Sil, que delicia logo pela manhã ler sobre a coragem… adorei … beijos…. vamos lá o dia já começou, coragem para … beijossssssssssssss
CurtirCurtir
apoiada!!! eu nunca pintei os fios e eles demoram a ficam bracos… mas sempre tem um lugar da cabeça que é o preferido por eles, e ali nascem e crescem escondidos e quando resolvem aparecer sempre me surpreendem pela coragem de se sobressaírem dos demais, pois fortes de atentos, se erguem acima dos fios escuros como pequenas antenas captando o passar do meu tempo… e que venham, já que a tintura é inimiga da minha pele, quero ela bem longe. Assim, meus fios prateados virão pra ficar!
CurtirCurtir