Empinando pensamento

Litogravura e aquarela: Caroline Pires

Banheiro é o maior celeiro de ideias que existe. Não há páreo para ele. Soluções, descobertas, conclusões, rimas, eurekas – é no cômodo mais íntimo da casa (ou do escritório) que as melhores são paridas. É ali que as ideias saem para passear, felizes da vida, sem ter que dar satisfação a ninguém. Não há censura, crítica, vaidade ou pretensão. Se a liberdade é azul, em um banheiro ela é azulejada.

Deus há de ter rascunhado muito enquanto fazia a barba. Jesus Cristo deve ter tido seus primeiros insights enquanto usava o trono. E não estranharei se contarem que “Stairway to heaven” e “Águas de março” surgiram entre uma chuveirada e outra.

A distração criativa  já criou e salvou mundos inteiros.

Mais que zelar pelo saneamento básico de um povo, lutar por bons banheiros é lutar por um mundo melhor.

Não admira que, no lar, mães reivindiquem seus direitos ao xixi em paz, sem interferências dos filhos pequenos. Mais que esvaziar a bexiga, é nesses breves minutos no um-por-dois que elas se recompõem e adquirem energia extra para seguir o dia em meio a lições de casa, roupas no varal e cardápios para o jantar. Não fosse assim, que vantagem Maria levaria? De nada adiantaria fazer perguntas ao espelho, espelho meu, se não houvesse tempo (e sossego) para ouvir as respostas.

Banheiro é o único lugar do mundo onde é você, você e mais ninguém. Nele, há sempre algo nu. Um pedaço de corpo, um engano, uma moral, uma mania, um erro. É a nudez – total ou parcial, metafórica ou não – que absolve, cura e entrega quem se é. (A eventual presença de um gato não só não interfere no processo, como o aprimora.)

Não inventaram lugar melhor para empinar pensamento do que banheiro. Feito pipa. E quanto mais corda você der, mais alto ele vai.

6 comentários em “Empinando pensamento

  1. “Nele há sempre algo nu”… FANTÁSTICO, Franco.

    Fiquei imaginando pensamentos nus, completamente desnudos, espelhados pelos azulejos, chão, pia, espelho central…
    O banheiro é um silêncio e uma revelação.

    Amei.

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  2. conheci uma mãe de vários filhos que se trancava no banheiro pra poder chupar laranjas sozinha. não dava conta de descascar tantos pedidos de “me dá”

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  3. Silmara, sou sua fã – daqui de longe. Minha filha ( que hoje é uma publicitária de muitas ideias) me diz que desde pequenina tem muita inspiração ao ver as gotículas de água que pingam no vidro enquanto ela toma banho.

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  4. Ai, Sil,, vou precisar ir ao banheiro e empinar muitas pipas para conseguir colocar em palavras o meu encantamento com o seu texto, sempre demais! 🙂

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  5. Que coisa mais linda e delicada… me deu saudades de voltar a fazer amor com as palavras… de forma calma, suave… como disse, na inspiração das distrações… na liberdade e inocência daquilo que me escorrego e falho.

    Obrigado pela leitura… és uma querida 😉

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