A mulher que não sabe

“Incisões”, 2012 – Simone Huck

Diz-se dos tipos de mulheres que existem. Mulher-isso, mulher-aquilo. Há tantos padrões como há de flor, passarinho, inseto. A tipagem é o forte da humanidade. De um, no entanto, não se fala ou lucubra, a despeito de sua maciça ocorrência. Senhoras e senhores, com vocês: a mulher-que-não-sabe. (Agora com hífens, a título de garantia.)

O objeto do seu não-saber é imprevisível, inexato, infinito. Contempla a vastidão do planeta yin.

A mulher-que-não-sabe passa os dias no passado e as noites no futuro; não lhe sobra nem meio-período para o presente. Está sempre a perguntar coisas ao espelho, mas não sobre sua suposta supremacia estética, que isso é lá com as bruxas más; ela prefere encher-lhe o pacová na tentativa de saber o dia dos acontecimentos aguardados ou até quando perdurará uma situação. O espelho finge que não é com ele.

A mulher-que-não-sabe desconfia do antibiótico e do GPS, mas crê no horóscopo e na escova progressiva. Salva seus filhos e, ao mesmo tempo, os condena ao limbo afetivo. Acha feio não chorar em enterros; bonito é o teatro do pêsame.

A mulher-que-não-sabe vive tendo alergia a tudo que a incomoda e se desentendendo com a alegria que a procura. Ignora que as duas são feitas das mesmas letras. Se entrega à tristeza e não percebe o quanto ela pode ser movediça. Vasculha em gavetas e armários, à procura de autofragmentos perdidos em cada um de seus aniversários.

A mulher-que-não-sabe deixa o arroz de festa queimar. Engoma camisas de força, inspeciona orelhas pueris. Acredita que o tempo é fugidio, mas o que lhe escapa, na verdade, é a coragem. Ela não sabe que coragem e tempo são casados desde sempre – e jamais tiveram amantes.

A mulher-que-não-sabe tem dificuldade para dizer ‘não’ quando deve dizer ‘sim’, e ‘sim’ onde caberia um ‘não’. Os opostos, geralmente, adoram bagunçar o seu coreto.

A mulher-que-não-sabe teima em combinar as cores das roupas, da casa e do batom, de acordo com a paleta limitada do seu olhar. Segue registrando a vida em frouxas escalas de preto e branco. E, assim, se vai no sumidouro do breve pixel…

A mulher-que-não-sabe nem imagina que suas neuroses – as leves, as moderadas e as terminais – são compartilhadas, ainda que secretamente, com todas as outras mulheres e, dentre essas, pasme!, também com as que sabem. A centelha divina da bendita ignorância abençoa todas.

A mulher-que-não-sabe é louca para deixar de sê-la. No fundo, sempre esteve grávida de sabedoria. Mas ela, claro, ainda não sabe disso.

10 comentários em “A mulher que não sabe

  1. Nossa… Se “a mulher de hoje em dia é TÃO ADJETIVADA” fico aqui imaginando os homens, que em sua maioria, não possuem quase NENHUM adjetivo. Nem substantivo. Nem verbos, preposições…
    Aim… Me dá uma preguiça.
    kkkkkkkkkkkkkkkkkk

    (Sorry amiga. Não resisti.)

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  2. Li de manhã e precisava reler agora, em casa, com calma.
    Seu texto realmente foi um caso de amor e ódio, já te falei isso hoje.
    Me reconheci em vááááááááááários momentos. Entre o bem e o mal. Entre sins e nãos. Entre dúvidas e acertos.
    E pra concluir: eu JAMAIS conseguiria deixar de ser uma “mulher-que-não-sabe”, porque justamente o não saber é que me movimenta. Se pra frente ou pra trás, pro passado ou futuro, pro antes ou depois…. não importa. A mim, importa a CAMINHADA e o APRENDIZADO da vida.

    Amei. Amo.
    Si

    PS.: obrigada por ver uma foto minha aqui. Privilégio fazer parte do seu canto.

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  3. A mulher-que-não-sabe também não sabe que recebe tal título… até encontrar alguém que, brilhantemente, lhe escancara! Obrigada pelo esclarecimento!! Adorei o texto!

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  4. Sil, nem vou mais falar das coincidências do seu texto com o que se passa na minha mente …. mas esta crônica me fez pensar em muita coisa, me fez um bem enorme, acredite!!!! Depois te conto em detalhes o turbilhão de coisas que tá se passando na minha cabeça agora …..
    Beijão
    Rose

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  5. Acho que mesmo não sendo, todas somos um pouco não-sabe… esse texto está uma delícia, escrito com jogos de palavras brilhantes. Bom começar minha terça assim.
    BJô

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