Das combinações

Arte: India Amos

Só a mesinha do canto disponível na padaria, para lá que vou. Ao lado, três moças. Repousadas na cadeira próxima a elas, três bolsas.

Como nos passatempos dos tempos de criança – aqueles de levar o coelhinho à cenoura, o macaquinho à banana e outras trivialidades da natureza – , brinco de ligar as moças às respectivas bolsas. Sem, contudo, pista prévia. Nenhum conhecimento, como os treinados na infância.

Analiso.

Moça 1: alta, loira, cabelos longos. Meio gorda.

Moça 2: morena. Nem tão alta, tampouco baixa. Cabelos curtos e enrolados. Bem magrinha.

Moça 3: nem gorda, nem magra; típica M. Baixa. Cabelos lisos e curtos. Ruiva.

Bolsa 1: enorme, clássica, preta.

Bolsa 2: moderna e amarela e pequena.

Bolsa 3: a média das outras, artesanato bonito que só.

Eu que não caio na tentação do óbvio, reunindo as aparentes evidências. Prefiro exercício demorado, inspirador de sinapses sofisticadas. Cruzo os dados preliminares, faço média ponderada, tiro a prova dos nove. Invento sinastrias, observo os gestuais, sondo os pedidos. Nem assim arrisco a combinação correta; a intuição se dissolveu na cafeína e a razão foi ver se estou na esquina.

A moça 3 bebe chá, as outras, café. Mas o da 2 tem espuma de leite. A 1 fala alto, a 2 só ri. Todas estão com calor, apenas a 1 cantarola a música que toca no rádio.

As aparências não enganam, quem se engana são os observadores. Está tudo escancarado, resta decodificar.

Torço, mas nenhuma delas precisa apanhar caneta na bolsa, ir ao banheiro. Não há sinal de SMS chegando.

É quando a bolsa 1 ameaça escorregar pelo vão da cadeira, tão grande é. O momento, tenso, pede concentração no olhar. Congelo meu gole. A dona a apanhará, por certo. É agora! Mas a bolsa é interceptada pelo solícito garçom, bem na hora H. Moças 1, 2 e 3 agradecem, uníssonas. Volto à estaca zero.

A bolsa 1 é da mesma cor do cinto da moça 3. A moça 2 tem o antebraço tatuado de flores, não seriam do mesmo tipo das bordadas na bolsa 3? A moça 1 sofre com a escoliose, uma bolsa do tipo 2 é altamente recomendável.

De que servem as coincidências quando a dúvida estraga tudo?

Exagero na duração do lanche, no afã de conhecer proprietária e propriedade. Meu prazo, porém, termina; a carruagem de abóboras me aguarda do lado de fora. Sondo a hipótese desesperada de abrir meu coração às três, “Poderiam me esclarecer uma coisa?”.

Nem dá tempo: outra mesa parece precisar de uma cadeira extra. E não há nenhuma vaga em toda a padaria, exceto a sob minha mira, objeto da angústia. A mãe com o bebê no colo, tímida, pergunta, “Posso?”. Moça 2 (a que ri de tudo) diz “Claro!”, apanha de uma vez as bolsas 1, 2 e 3 e as realoja sobre o móvel onde o garçom, aquele sem graça, guarda os talheres.

A vida não é bela.

6 comentários em “Das combinações

  1. hahaha… acho que a bolsa grande é a de quem tem escoliose…
    menina, como é boa a sua vida de ver tudo com esses olhos e relatar tudo o que vê de maneira tão agradável e melodiosa… sempre imaginei que os grandes escritores vivessem num mundo à parte, onde tudo, tudo se transforma em melodia, rima, prosa que toca a alma dos outros… você faz a mesma coisa, pra minha alegria! parabéns minha amiga escritora! beijos e esperamos a sua visita!

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  2. Silmara… vc deu com os burros n’água, e eu tb… fala sério que não vais poder matar minha curiosidade???
    Abç

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  3. A moça 1, alta, loira, é dona da bolsa moderna, amarela e pequena;
    A moça 2, morena, magrinha, é dona da bolsa enorme, clássica, preta.
    A moça 3, cabelos lisos, curtos, ruiva, é dona da bolsa de artesanato.
    Porque sei? Não sei, só imagino…rsrs

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  4. Aposto na seguinte combinacao:
    Moca 1 e Bolsa 1; (achei que talvez por ser gordinha, se esconde por tras da bolsa grande)
    Moca 2 e Bolsa 3: (a escolha das flores nao parece ter sido coincidencia)
    Moca 3 e Bolsa 2: (imagino que o cinto preto nao ha de compinar com a bolsa amarela na opiniao da ruiva).

    E voce? Deixa de preguica e me conta qual seria a sua combinacao?

    Beijos.

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