Escreveu, não leu…

Ilustração: Gustav Söderström/Flickr.com

Desde o momento que ganhei um smartphone, desses que fazem interface com Deus e o Diabo (às vezes, mais um que outro), tenho convivido com um professor de português pró-ativo mas, não raro, equivocado. É o corretor ortográfico, mestre em linguística embutido na engenhoca e que tem me dado um trabalhão. Tenho a opção de ativá-lo ou não. Porém, de razoável utilidade em casos de pressa aguda, ainda não me senti forte e determinada o bastante para dispensá-lo.

As aulas iniciam assim: entabulo a prosa com a comadre pelo SMS, sem notar que algumas palavras digitadas vão sendo substituídas por outras, que ele julga, de acordo com sua experiência e sabedoria, mais convenientes. Oh oh. Nem sempre ele está certo. Às vezes, é tarde demais. Há que se enviar nova mensagem: “Estou lesada”, explico, e não “Estou ‘mesada’”. Esclareço que preciso traçar um açaí duplo, e não um ‘Havaí’.

Ainda pelo smartphone visito, na rede social, a página da amiga na intenção de saber como foi a cirurgia do seu ciso. Ela responde que, felizmente, não precisou operar seu ‘riso’. (Só rindo.)

Comento a postagem bem-humorada de um fulano e risada vira ‘rodada’.

Compartilho que o cantor foi mal no show e ninguém entende, porque vaia virou ‘caia’. Um tombo, então? Eu, no passado, já vangloriei minha capacidade de datilografar rápido e certo.

Acesso o email para informar, em tempo real, que o amigo passou mal e foi levado de maca para o hospital. Concluo a mensagem e clico em “enviar”. A notícia espanta os destinatários, que devolvem: levado de ‘maçã’?

É a era das retificações ortográficas virtuais.

Donos da verdade, os corretores desses aparelhos pensam saber o que é melhor para nossas conversas e manifestações no ciberespaço. Sugerem vasto dicionário de possibilidades, mas sempre batem o pé que a primeira grafia é a melhor. E, num instante de descuido, zás!, assumem decifrar nosso pensamento. Nessa toada, não está longe o dia em que os smartphones terão ideias por nós. Pior: num belo dia eles resolverão ligar, por conta própria, para todos os contatos da nossa agenda. Sabe-se lá o que dirão a eles.

Smartphones levam a sério seu nome, estão ficando demasiado inteligentes. Alto lá: quem manda na minha vida sou eu e o lema é extensivo à minha escrita. O corretor ortográfico pode estar cheio de boas intenções. Porém, vide a antológica frase a respeito delas e o inferno. Seu slogan deveria ser o velho “Escreveu, não leu…” – e eu nem quero ver como é que ele completaria a frase.

6 comentários em “Escreveu, não leu…

  1. To rindo sozinha aqui… acho que o smartphone deixaria a frase assim: escreveu não leu, o pão comeu… por que faz mais sentido, né?

    kkkk

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  2. Eu sofri um bocado até conseguir desativar o dito cujo, mas vale a pena arriscar deixar passar os nossos próprios erros de digitação do que aguentar essas alterações malucas! Mas não me pergunte como foi que desativei, porque não lembro!!!
    Bjoooo

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  3. Ainda não tenho “smartfone” (correção minha !). Mas quando tiver, não instalarei corretor algum. O ortográfico, por rebeldia mesmo: dos nove paises de lingua portuguesa que aderiram à revisão ortográfica, apenas dois a implantaram, dos quais um foi o Brasil ! O semântico, por simples impossibilidade de um aparelho com um ou dois chips comportar um programa desse vulto, que nem a gigante Microsoft se atreveu a embuti-lo no Word (maior software do mundo, com mais de dois milhões de linhas de código) ! Um corretor de redação de texto precisaria de ter um banco de dados do tanhanho do Houaiss, mais toda a perícia de um redator experiente para cada um dos ramos principais do conhecimento humano (desde linguagem caseira até ciências as mais avançadas, passando por um especialista em estilos de expressão do pensamento). Não tenha dó, delete (provavelmente seria corrigido por “delate”) esse “negócio” !

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  4. Silmara, acompanho seu blog faz tempo, e adoro!
    Hoje mais cedo li uma notícia aqui no jornal local, e agora a noite vim checar seu blog. Muito providencialmente e à título de curiosidade, deixo o link para a tal notícia (em inglês), sobre uma confusão por causa do corretor automático!
    http://www.smh.com.au/digital-life/mobiles/smartphones-autocorrect-function-puts-high-school-on-lockdown-20120302-1u6pq.html
    Já disse uma vez, repito, parabéns pelos seus textos. Cada vez que passo por aqui me delicio com o post do dia e não resisto a passar mais alguns bons momentos lendo coisas anteriores, e aprendendo com vc!
    Bjs
    Adriana

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  5. haha! Será que já chegamos à época dos filmes de ficção científica, onde as criaturas( máquinas) rebelam-se contra o criador( homem) e passam a dominar o mundo?!…Que mêda!( Sem corretor ortográfico! haha)

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  6. Kkkkkkk….. ODEIO esse tal “professor”. Eu, que estou constantemente conectada ao mundo pelo meu iPhone, já paguei muito mico com esse troca-troca. Desativei o “dito cujo” e, na dúvida, vou de Aurélio mesmo… on line, claro… rs.
    E vc, minha preferida, sempre de parabéns pelo texto. Bj!!

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