Até 70% de desconto

Há três coisas que se aprende, ao longo da existência, que não são de verdade: Papai Noel, coelhinho da Páscoa e liquidações com até 70% de desconto.

As duas primeiras são reveladas ainda na tenra infância, quando flagramos o bom velhinho chamando a mamãe de “querida” na cozinha e descobrimos, num passeio pelo sítio do vovô, que coelhos não põem ovos, nem aqui, nem na China. Muito menos de chocolate.

Já em relação às costumeiras promoções alardeando descontos irresistíveis, os primeiros insights de que não é bem assim vêm quando já somos marmanjas.

É quando você entra numa loja, ávida por pechinchas. Afinal, o shopping inteiro é um gigantesco sinal de porcentagem nessa época. Lá vai você, feliz da vida, crente que levará a bolsa dos sonhos por uma bagatela, o vestido lindão a preço de banana, três pares de sapatos pelo preço de um.

Aí você passa os olhos pelas araras e prateleiras, conferindo com atenção as reluzentes etiquetas promocionais: de tanto, por tanto. Numa rápida conta de cabeça, você constata um mixuruco 15% ou, talvez, 20% de desconto. Resolve perguntar à vendedora onde é que estão as ofertas com 70%. E ela aponta, no fundo da loja, um balaio bonito sobre o balcão, repleto de camisetas de manga curta, malha bem fininha. Brancas. Mais básicas que a cesta que você fornece para sua empregada todo mês. Apareceu o descontão, olê olê olá!

Na mesma loja, você nota que o preço daquela blusa em tie-dye que você chegou a flertar uma semana antes permanece inalterado. “É coleção nova”, esclarece a vendedora. A essa altura, você sente uma incontrolável vontade de tie (amarrar) e dye (tingir) de roxo-fúria a mocinha que, cinicamente, lhe encara.

Frustrada, você cogita a pantalona modernosa que está saindo por 199 contos, 220 antes da promoção. Uau. Você só não sabe se aplicará os 21 reais economizados (10%) na poupança ou renda fixa. Imperdível.

Há uma curiosa lógica comercial em torno das liquidações, determinando que só tranqueiras recebam os descontos maiores. No caso de roupas e calçados, são aquelas peças que ninguém quer, das cores que ninguém gosta, nos tamanhos que ninguém usa. Não deveria ser liquidação, e sim imploração. A chamada: “Pelo amor de Deus, comprem”.

Tão intrigantes quanto a lógica são as remarcações que antecedem as liquidações. Só pode ser obra do além, brincadeira de algum fantasma ganancioso, já que lojista nenhum confessa o crime. Ou então algo mais místico: véspera da liquidação – cafonamente batizada de “sale” -, uma gangue de gnomos peraltas invade, na calada da noite, as lojas e majora os preços, para que os descontos reais sejam bem menores que os panfletados. Nunca viu? A TV que custava R$ 2,8 mil passa, misteriosamente, para R$ 3,7 mil. Os 50% de desconto anunciados no megafone viram, na verdade, pouco mais de 30%. E você achava que gnomos só viviam nas florestas.

Não existe filé com 70% de desconto, meu bem. No máximo, acém. Porque patinho, vamos ser honestas, é quem ainda cai nessa.

11 comentários em “Até 70% de desconto

  1. E o desconto fictício?? A vendedora dos móveis que estou fazendo demonstrou, matematicamente, que ela está me fazendo uma venda com um inacreditável desconto de uns 40%, ainda tirando uma laminha de 5% se eu levar à vista. Será que ela acredita que eu acredito que ela é tão boazinha assim?? 😉

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  2. Adorei Silmara, como sempre. Eu tenho que confessar que nesse começo de ano caí na liquidação da arezzo, -70% em todos os calçados… eu juro, tava tudo ali, a loja toda com esse preço e eu grávidissima no meio de um monte de mulheres enlouquecidas experimentando um monte de sapatos ( o único homem na loja era o segurança tentando organizar de novo os sapatos por tamanho). Adorei o preço, mas ao invès de comprar os dois pares que precisava, saí com 7… será que foi um bom negócio ou caí como uma patinha?

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  3. Sempre desconfio dessas “liquidações” porque, na sua maioria, são liquidações das dores de cabeça dos donos de loja: aquelas peças encalhadas, que ninguém quer, nem mais usa, são as que têm “desconto” maior. Na verdade eles quase que pagariam, pra você as levar! Mas aí você entra, não encontra o que gosta na seção promoção mas, outras, maravilhosas, na arara dos lançamentos…Caiu na rede, né? rs
    Mas, não vou reclamar: consegui trazer boas peças, garimpadas na última liquidação no Rio.
    Beijo, querida, sem desconto de carinho!

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  4. Eu achava que era burrice minha quando tentava fazer as contas pra conferir esses tais descontos e não chegava a um consenso lógico entre a minha matemática e a das lojas.
    Vc me aliviou tanto nesse esclarecimento, quanto no texto delicioso de se ler… como sempre… e sem descontos.
    Assinado,
    SUA FÃ.

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