A ditadura do fitness

Ilustração: Robin Ator/Glowinthedarkpictures.com

Depois das bruxas e dos fumantes, a humanidade deu agora de caçar, impiedosamente, outra categoria: os que não gostam de se exercitar.

A mensagem é onipresente, do anúncio de remédio para o fígado à embalagem de Sucrilhos: “Tenha uma vida saudável, pratique exercícios físicos”. Sepultada a ditadura militar, é a vez da ditadura do fitness. Tão cruel quanto, nela os seres são separados entre ativos e sedentários, sadios e não-sadios, terráqueos e extraterrestres.

Não se trata de mensagem motivacional, nem de saúde; é comunicação estratégica: os fabricantes querem tirar os seus da reta quando, lá na frente, você infartar de tanto comer porcaria. Terão dito: “Eu avisei”.

Abasteço minha tigela de cereal enquanto leio o rótulo. Instantaneamente, se forma à minha frente a paisagem da última academia de ginástica que frequentei, durante um período bem menor que o contratado. De lá, saí correndo. Fugi. Escafedi-me. (O sonho de toda academia é ser uma sucursal de Salvador, inventando micaretas diárias para levantar o astral da moçada. No meu caso, tempo perdido: micaretas só despertam em mim as últimas três sílabas.) A professora ligou, um mês depois, para saber o que havia acontecido. Quis inventar uma história triste e trágica, mas como todo pensamento carrega em si o poder de se realizar, confessei: “Sabe que que é? Não gosto de ginástica”. Tentei reaver os meses pagos e não utilizados, e ela: “Você fica com um crédito, quando você se animar, volta”. Ela não entendeu. Adiós, muchacha!

Agora sei como se sente uma bruxa, um fumante. Bruxas, ao menos, não precisam se expor nos formulários dos consultórios médicos.

De tempos em tempos, quando resolvo me exercitar três vezes por semana porque dizem que, assim, chegarei supimpa aos cem anos, fazendo Tai-Chi-Chuan na praia e tudo, o meu diabinho da consciência, um gordinho flácido e feliz, se empoleira no meu ombro. E tenta me convencer que todas as outras atividades previstas na agenda do dia – fazer supermercado, levar o gato ao veterinário, pregar botões caídos da camisa, fazer depilação, arrumar o armário de tupperwares, terminar o texto para o editor, meditar pela paz mundial – são mais urgentes e importantes que dar uma volta na Lagoa do Taquaral.

Ele, o diabinho, lembra também que na padaria tem açaí com banana, guaraná e granola, que é quase a melhor coisa do mundo, servido numa tigela deeeste tamanho. Quem pode com uma consciência asssim tão persuasiva?

Não sou esportista, detesto tênis, mal sei andar de bicicleta. Mas amarro meus sapatos com facilidade, passo em pequeninos vãos entre os carros nos estacionamentos e caibo no tamanho 16 da maioria das roupas infanto-juvenis. Portanto, rogo, em prece, ao pai nosso que estais no céu: deixai-me em paz com meu ócio e minha preguiça, contanto que meu HDL, o bom colesterol, esteja alto. Deixai-me cair na tentação da gula e ajudai-me a manter meu IMC em torno de 22,5. Mas livrai-me da esteira e dos aparelhos de musculação. Amém.

8 comentários em “A ditadura do fitness

  1. Que coisa feia! Que malvada que você é, exibindo assim seu “tamanho 16”!!! Eu estou, tristemente no G, quiçá GG, conforme a “forma” da confecção. Assumo meu prazer de comer e meu sedentarismo, e embora minha saúde não esteja 100%, não me aflijo. A gente vai levando…
    Bjooo

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  2. Eu sou educadora fisica e tenho tantos alunos assim, imagino como eles me xingam,mais… para não ser chata sendo um pouquinho ,vc tem que fazer uma atividade fisica e não academia ex: cuidar da casa, crianças ,passear no parque no shopin ,dançar em casa com os filhos ,fazer amor, fazer compras no supermercado,escrever estas cronicas belissimas…mexe com neuronios,e tem um gasto calorico maravilhoso,quisera eu gastar calorias com esta criatividade de cronicas e pensamentos, com certeza fazer o que gosta é tão bom quanto atividade fisica…bjs com boas vibrações

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  3. Silmara, as pessoas perdem muito tempo na academia…rsrs Se eu tivesse que ficar 2 horas na academia, certamente deixaria de ler no mínimo 80 páginas de um dos livros que continuam me esperando na estante. Sendo assim, continuo me alimentando regradamente, mas prefiro não desperdiçar meu tempo numa esteira!

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  4. Hahahahahhahahahahha. Como voce consegue entrar assim dentro da minha cabeca? Certamente temos mais do que o nome em comum.
    Adorei a resposta pra professora. Mais do que ser fit, a gente tem eh que ser verdadeira.
    Beijos mil!

    Silmara

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  5. Sil, sou apaixonada por fazer exercícios físicos, rs, é uma necessidade biológica diretamente ligada à minha disposição de humor. E, no meu caso, não servem Yoga, Pilates ou Tai Chi, não, tem que ser uma natação intensa, uma boa pedalada ou as aulas de tecido acrobático, que pratiquei por um ano e meio.

    Mas mesmo com toda essa paixão por exercícios, engrosso o coro: ninguém merece a tal da musculação! Faço, sim, por obrigação, pois é a base para que meus joelhos tolerem as outras atividades sem desmontarem…

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  6. Sorte sua que você não mora no Rio. Lá minha leve barriguinha era considerada falta de caráter (assim como fumante = mau elemento). Detalhe: eu sou uma pessoa fit, porém não tenho abdomen com gominhos, o que impactava minha vida social. Por diversas vezes me foi aconselhado fazer uma lipo para eu me tornar uma pessoa mais apresentável. Isso é sério, história verdadeira.
    Que bom que hoje moro em um lugar que não estão nem aí para o meu abdomen não sarado.

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  7. ai que perfeita!! adoro o texto, ironia, a verdade contida nele Si. Sem dúvida, isso já tá enchendo o saco. Confesso que gosto de ir pros cursos que sao dados, ando apaixonada pelo pilates e a zumba (danca de todo tipo com musicas latinas), mas é só. E só vou porque curto mesmo e odeio musculacao! Micareta entao? Ai meu Deus, quem inventou essas baboseiras?

    Amei Si. Amei!

    ps. acho tbm que existe a caca aos cabelos brancos, fui atacada por minha familia ao pisar no brasil com meus branquinhos despontando pro alto da cuca. “Ai meu povo, me deixa!!!!! tenho vontade de gritar…

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