(Des)Empregada III, o furto

Ilustração: Toon Van de Putte/Flickr.com

Depois de ser abandonada e, em seguida, traída com o padeiro, enfim eu encontrara uma nova empregada. Meu lugar ao sol – e não ao tanque – parecia despontar no horizonte doméstico. Só parecia.

Estranhar, eu estranhei. A mulher tinha todos os dias livres e rara boa vontade. Gostava de gatos e tatuagens e tinha filhos pequenos como eu, o que tornava toda empatia possível. Poucos dias se passaram, peguei-a no pulo. A bolsa gorda, recheada, momentos antes dela encerrar o expediente. Ataulfo Alves bem que avisou: “Laranja madura, na beira da estrada… Tá bichada, Zé, ou tem marimbondo no pé”.

Se “A menina que roubava livros” virou best-seller, que destino estaria reservado à mulher que roubava brinquedos?

As duas, menina e mulher, têm histórias de vida pontuadas por dificuldades e dissabores. Salvos os respectivos cenários, as épocas, as devidas proporções e a boa dose de ficção, o que a Morte, narradora no livro, haveria de dizer, nesse caso?

Talvez ela, a Morte, me convidasse para um cafezinho ao entardecer e apontasse o farto oceano de brinquedos nos quartos dos meus filhos como razão para minha versão doméstica de Liesel Meminger agir. Não tenho inventário detalhado a respeito, posto ser essa tarefa hercúlea e inútil. Quem é capaz de identificar quem é quem na comunidade de Pollys e Barbies, contabilizar a esquadrilha de aviões, a esquadra de navios e os Legos que se valem do misterioso poder da geração espontânea? A brinquedoteca das crianças é superlativa, conjugada no coletivo. O excesso de brinquedos em casa é tão evidente quanto questionável, mas já desisti de nadar contra a maré, panfletando que isso não faz sentido. Porém, (talvez) ao contrário da história do livro, isso nunca deu e jamais dará a alguém o direito de apossar-se do que não é seu. A mulher, no papel de Robin Hood de si mesma, desconhece que justiça social se dá por outros meios e com outros fins.

Por outro lado, a Morte poderia apelar à compaixão, ao sugerir que eu imaginasse a mulher chegando em casa, depois do dia de trabalho que lhe rendeu uns parcos reais, e encontrasse seu menino a brincar com o caminhãozinho sem uma das rodas e uma velha e desbotada girafa de pelúcia, ao mesmo tempo que repassasse mentalmente a fascinante (aos seus olhos) paisagem da nossa casa. Eu diria à Morte que sim, estou acostumada a esse exercício. E o que posso fazer por essa mãe é pagá-la direitinho o combinado, para que ela tenha condições de proporcionar o mesmo aos seus filhos. Direito de todo cidadão e cidadã – igual ao direito de propriedade que ninguém pode tascar.

A Morte também tentaria me convencer a relaxar, contando ter visto coisas bem piores ao longo de sua, digamos, existência. Por esse lado, meia dúzia de Hot Wheels a menos para quem tem uma frota de três dígitos dos carrinhos é, de fato, titica.

Ou nada disso, e a Morte faria o que mais a diverte – pegar de surpresa – e me diria a inesperada e oblíqua verdade sobre o crime (?) cometido, que eu ainda não havia suspeitado: preciso escolher melhor minhas laranjas.

7 comentários em “(Des)Empregada III, o furto

  1. E quem disse que ela só levou brinquedos? Talvez ela seja tão organizada que divida a semana por “área”. Infantil, adulto, feminino, até chegar a sua carteira, ou horror dos horrores, ao cofre das jóias.

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  2. Ei amiga… não dá pra saber o que é melhor nos dias de hj… deixar-nos ser roubados, fingindo que não notamos a falta de alguns brinquedinhos e assim, tirando nossa barriguinha do tanquinho ou não compactuarmos com tal atitude, incorreta diga-se de passagem e continuarmos a malhar a nossa barriga (sonhando ser tanquinho) no tanquinho, não é mesmo????
    Bjs minha linda cheia de saudades!!!

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  3. Ei, Sil! isso nos leva a filosofar, hein? li uma reportagem onde uma moça foi feita refém em sua casa, por um ladrão que era credor do seu antigo pedreiro. O ladrão-credor, pressionava o pedreiro ameaçanco-o e à família, para dar informação sobre algum cliente onde ele pudesse roubar. Ao saber desse fato, a moça entendeu a difícil situação do pedreiro, que sempre havia trabalhado para a família e estava sendo ameaçado e resolveu não dar queixa. Em paz consigo mesma, viu que não adiantaria nada e poderia piorar a situação do pedreiro. Como não somos tão evoluídas assim, temos que pensar se poderíamos continuar confiando em uma pessoa dessas. (com certeza a moça também nunca mais contratou o pedreiro…rsrsrs). Como perdoar e continuar confiando sua casa e até suas crianças em sua ausência, sem lembrar desse fato? complicado, né…a gente não dá importância à referências, mas resolveria algumas coisinhas se ligássemos para pesquisar, né? (isso quando têm referências…) bjs querida 🙂

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  4. Olá, querida!! Que saudade!
    Pena que em sua volta, vc venha nos “relatar” esse fato tão triste.
    É uma pena que algumas pessoas, joguem fora o que poderia lhe abrir portas no futuro, pelo retorno imediato.
    Também estou aqui, torcendo por vocês. Que encontrem alguém digno de sua confiança!
    bjssss
    Cris

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  5. Agora entendi aqueles papos no Face…
    Puxa, Silmara! Parece que foi há tanto tempo que ficou “desempregada” e, agora, mais essa! Mas, não contemporizemos e arranjemos desculpas de esquerda revanchista: ontem foram brinquedos, amanhã, sabe-se o que mais?…
    Poderia encerrar com outro ditado:
    “Antes só, do que mal acompanhada” mas, enfim, não desanime.
    A luta continua, companheira!

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  6. Descobri que os mantras e os quilos de incensos acendidos a seu favor, por esta causa, foram insuficientes.
    Não tenho o que dizer além de prometer rezar mais… e, claro, durante a reza manterei um olho no santo e outro na minha bolsa… rs.
    (Ai, amiga. Que merda isso!!)

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  7. Oi Sil, li o livro e agora o Edno está lendo… muito bonito!
    Mas essa situação é f@*#&… pra não usar outra palavra…
    Aqui em casa as vezes escondemos alguns brinquedos pra entregar meses depois… é quase uma novidade para ao pequeno, que se admira… “que saudades desse, ou daquele!”…
    Beijinho Sil, boa semana!

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