A comédia da vida materna

Arte: Marcello Akira
Arte: Marcello Akira
 

Descobrir, eu descobri faz tempo. Dureza foi admitir, por para fora, desabafar. Vamos estabelecer: é mais fácil ser executiva numa multinacional japonesa do que ser mãe de filhos pequenos. Trabalhar de segunda a sexta e eventualmente nos finais de semana, das nove às dezenove (na melhor das hipóteses)? Fichinha. Conviver com chefe doidinho, cumprir prazos imorais, apresentar resultado negativo na frente do CEO? Café pequeno.

Se não, vejamos.

Nos escritórios a cem metros do chão você trabalha sossegada, elabora suas análises de mercado em paz, traça estratégias para a empresa e atende clientes e parceiros, sem se preocupar em checar as janelas (que jamais têm rede de proteção), para o caso de ter algum colega de trabalho pendurado nelas, crente que é um super-herói indestrutível.

Durante o almoço no refeitório, seus colegas não se estapeiam, nem atiram farofa um no outro. O mais novo não reclama, choramingando, que o mais velho disse que ele é feio e burro. Todos sentam-se direito e comem a salada. E se não comem, rá! Problema deles. Você não tem nada, nadica a ver com isso.

Nas reuniões de equipe, para falar sobre o novo organograma, ninguém interrompe reclamando que está com fome, nem pede para sair antes porque vai começar o programa favorito na TV.

No ambiente de trabalho, todo mundo vai sozinho ao banheiro. Para fazer número 2, inclusive.

Se a reunião é no cliente e o pessoal do marketing tem que ir junto, você vai de motorista e a coisa flui que é uma beleza. Não há brigas a serem apartadas no banco de trás, nem súplicas para que todos coloquem o cinto de segurança, tampouco para que fiquem com ele durante o trajeto.

Os departamentos Financeiro e de Compras podem até tentar enlouquecer você, mas nada se compara a uma tarde com os filhos no shopping, na intenção de renovar o guarda-roupa deles.

Você não precisa contar até três para seus funcionários começarem a elaborar o relatório bimestral de vendas.

Se seu assistente resolve lhe pedir um aumento, e você explica que, no momento, não será possível, ele não se joga no chão, berrando “Mas eu queeeero!”.

No final do expediente, não existe a menor necessidade de pedir ao estagiário que arrume a mesa antes de ir embora. Ele guarda tudo sem você mandar!

Por essas e outras (ah, muitas outras), é definitivo: ser mãe é para poucas. Mãe de filhos em férias, meu caso, para pouquíssimas. A amiga, compadecida, ri da minha situação e recomenda que eu relaxe, encarne algum personagem de desenho animado e me jogue na farra. Numa espécie de “se você não pode com eles…” revisitado. Nam nam. Vou é recorrer à mitologia. Quero ser Medusa, uma das Górgonas. Para transformar em pedra todo humano com menos de um metro e vinte de altura que ouse me fitar, requisitando, de três em três minutos, toda sorte de coisas. (Ao final das férias, prometo, reverto o feitiço.)

Depois dizem que a maternidade realiza a mulher. Ora, ora. A maternidade realiza consultas, exames e partos. Ponto final.

E ainda é dezembro. Não sou a antimãe, nem a reencarnação de Herodes. Sou apenas uma genitora levemente ensandecida. Sabedora das deliciosas vantagens da vida materna sobre a vida executiva. O problema é que até o fim de janeiro do ano que vem, quando as aulas voltam, eu não vou conseguir me lembrar de nenhuma.

24 comentários em “A comédia da vida materna

  1. Sil acabei de ler mais esta… Infelizmente estou com o Edu… Comédia??? Seu texto é simplismente ótimo, mas nos remete a pensar em que mundo vivemos, e que seres somos nós que não conseguimos domar seres tão “indefesos”. Me acho brava demais, mas não tem como não ser brava, dura… pois eles nos testam a cada segundo. Mas, escolhas… já que optamos em sermos mães e pais, que tenhamos uma terapeuta pra nos ajudar com essa missão. Bjs minha querida.

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  2. Muito, muito bom o texto, achei perfeito, também tenho um filho pequeno, que também tá em férias, e sei bem as peripécias que passamos. Mas vale a pena, porque apesar de tudo, eles são maravilhosos!

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  3. Vc só vai ler no ano que vem… que já chegou… Ops. Mas como vc tb é mãe que nem eu, entende. Que eu tenho tido tão pouco tempo de zanzar nos blogs que estou chegando só agora.
    E, além das três crianças, da cachorra e do sogro internado, os elefantes não querem ir embora de jeito nenhum do meu quintal. Nem com ajuda dos bombeiros.
    Silmara. Socorro.

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  4. Sil, sou obrigada a por o link lá no meu blog, porque tem tempos que eu digo isso aos ´executivos´e eles riem, dizem q estou exagerando, agora tenho uma aliada e bem forte!
    Férias com 1 de 4 (quase 5) anos e outra de 3(quse 4) meses… fácil como limpar cocô de elefante no sol escaldante da África usando colherinha de sobremesa!

    beijos, boas férias.

    seu link estará devidamente creditado lá no meu blog.

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  5. Já falei, mas não me incomodo em repetir. Teus textos são ótimos! Esse é uma radiografia da maternidade perfeita, com realidade e humor em doses reais!
    Feliz 2012 (pelo menos a partir de fevereiro…)

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  6. Você vai me desculpar, mas essa foi uma das melhores que já vi por aqui…rsrsrsr

    SIMPLESMENTE ADOREI!!!!!!!!!!!!

    Quanto às peripécias, elas vãopasssar!!!! rsrsrs

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  7. Sil, vou confessar que eu ri. Ri, mas não foi “de você”. Nem “da situação de uma mãe”. Eu ri foi de mim mesma. Porque além de mãe de dois, eu era professora de música, regente de coral infantil (e de adolescentes, jovens e adultos), minha jornada era multiplicada.
    Mas passooooooooou!!! E hoje eu vejo que, como você disse, a gente não lembra dessas agonias depois que elas passam. E o que fica é uma ternura imensa…
    Pensar que uma vez, no Dia das Crianças alguém me perguntou: “Que presente você vai dar às crianças?” E eu respondi: “Eu quero é dar crianças de presente!!!” E não me senti culpada, eu só estava cansada. Toda mãe fica cansada. E nem me venham com essa história de mãe aguenta tudo, que mãe tem que aguentar tudo e achar bom… Aaaahhhh (suspiro).
    Bom saber que meu sentimento de tanto tempo atrás pode hoje ser traduzido nas suas palavras!
    PS- Meus bebês têm hoje 20 e 23 anos.

    Beijooo

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  8. Ah Silmara… e, “se não tê-los, como sabê-los?”… foi esta curiosidade que nos colocou nessa enrrascada maravilhosa… e agora, nem tem mais como pular fora, apenas aprender a administrar…
    Ao parir o filho, junto parimos a culpa, que nos acompanhará eternamente, e também parimos aquela sensação esquizofrênica de amor e ódio que se mescla e em segundos um substitui o outro, e se estamos “fulas” porque nos chamaram mil vezes no dia, adormecem e logo esse sentimento dá lugar a um olhar complacente e deslumbrado, qual teríamos diante de um anjo…
    Rio disso, pois a cena se repete indefinidamente nas rotinas de todas as mães…
    Respirar fundo e enfrentar o próximo dia, é o que nos resta… mas sem tê-los, como saberíamos o som da sua voz e o cheirinho que têm nos cabelos??? Pequenas amostras do céu… boa sorte nas férias. Elas passarão… (Enquanto Quintana, que não teve filhos, passarinho… rs)
    Bjs

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  9. Silmara ! Só hj vi o novo visual do seu blog. Ficou bonito! Jamais deixo de ler suas crônicas, mas é que faço pelo google reader – mais ágil porém sem a mesma graça do blog. A crônica de hoje, serviu como uma luva. Beijos.

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  10. hahahahha, adorei! a vida de mãe é assim, a gente não sabe se ri ou se chora….eu até já li em uma revista a frase: “nasce uma mãe, nasce uma culpada”…é isso aí….se tentamos controlar, perdemos as forças, se tentamos repassar os cuidados para outra pessoa nos sentimos culpadas…as vezes os cabelos ficam de pé e o sangue ferve e as vezes um pequeno gesto de carinho de seu filho resolve tudo….somos mães, somos guerreiras, multifuncionais…e vivemos aprendendo….beijos

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  11. Multiplique todos os apelos, problemas, situações, quando se trata de uma avó que tem que ficar com os netos. (no meu caso, uma neta, de 3 anos).
    O pique já não é o mesmo, não posso mandar e desmandar, não posso castigar, não posso isso, não posso aquilo (já que tomo conto, poder, posso, mas não me dou o direito, sabe?). Ufa!
    Criar filhos hoje não é mesmo como “antigamente”.
    As crianças são agitadas e os pais se sentem “culpados” de tudo e tudo fazem por eles…
    Mas vc e todas as mães de crianças em férias sobreviverão…rsrs

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  12. Como dizem, mãe é tudo igual, só muda o endereço… hoje as crias estão criadas, mas por mais boazinhas que fossem, criança nunca é perfeitinha e cansa, sim. Lembro que eu adorava o primeiro dia de aulas e o silêncio em casa durante a manhã… abençoado.
    Infelizmente tem muita criança estragada hoje em dia, como nas histórias contasas aqui nos comentários. Tudo isso vai bem além da chatice normal das crianças, já é caso para psicólogo. Para as crianças e para os pais.
    Beijos! E força aí para sobreviver às férias escolares…

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  13. Ah, esqueci de comentar: NÃO TENHO O MENOR PERFIL pra ser mão!
    Mil vezes minhas lentes do microscópio e da câmera fotográfica.
    Se eu tivesse filhos, estaria com a Jatobá… Sincero e horrível assim…
    Bjs em vc!
    Respira!
    Ommmm ommmm ommmm ommmm … rs

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  14. – Me perdoe número um:
    Kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk
    – Me perdoe número dois:
    Continuo reafirmando: assuma um personagem e caia na folia, pode ser muito divertido… Sem contar que pode render algumas crônicas. Quem sabe vc não descobre a literatura infantil? E lança dois livros ao ano? Momento férias dos pimpolhos? Olhaaaaa… Amei isso!!!!

    Ai, ai… Vc de Medusa é a melhor. Imagino o olhar e os raios…

    Relaxa amiga. Num futuro próximo vou ler suas crônicas chorosas de dezembro.
    Tô até vendo… Seus filhos casados, sua casa em total silêncio e vc lamentando a falta da zona.

    Seres humanos… rs…
    Como somos difíceis, atchá!!!

    Bjs admirados.
    Si

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  15. Adorei o sincero desabafo. Ter filhos do jeio que é a sociedade em 2011 é para poucos. Definitvamente não para mim, prefiro e tiro de letra o mundo corporativo multinacional.
    Na minha época os pais mandavam os filhos obedeciam. Hoje é ao contrário e tem lei anti-palmada. Não conheço sua família, não sei se é seu caso. Estou falando no geral, no que vejo por aí nas famílias próximas, nas crianças do meu prédio e em todos os lugares, dando chiliques e esbofeteando os pais nos shoppings e estragando almoços dominicais em qualquer restaurante. (Quando eu chego num restaurante e me perguntam: fumante ou não fumante? Eu respondo: longe de criança)
    Conheço um caso em que a avó conta com orgulho como a neta de 5 anos demitiu a empregada pois não lavou os talheres como ela desejava. Os pais apenas acataram dócilmente a decisão da menina, pois quem manda no lar é ela mesmo.
    Outro dia ao entrar na academia do prédio – onde não é permitido criança – um menino de uns 6 anos no máximo jogava todos os pesos no chão. O pai, um urso de pelo menos 1,85m estava ajoelhado na frente dele pedindo pelo amor de Deus para ele parar. Olhei essa cena surreal e patética e voltei para casa. Não ia malhar com um diabrete quebrando a academia e com um pai sem autoridade se humilhando atrás dele. Não tenho estômago para isso, queria eu ser a Medusa nessa hora para usar os poderes na criança e no pai.
    E por aí vai, temos vários exemplos de crianças da realeza, crianças déspostas. Crianças que nunca podem ouvir não, que nunca souberam o que é limite. Se fosse só uma comédia da vida privada tudo bem, mas atrapalha as pessoas ao lado que não tem nada a ver com a cria alheia.

    Acabou que eu desabafei no seu desabafo. Risos.

    Beijos,

    Edu

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  16. Vizinha querida, me chame na hora da transformação…quem sabe sobra alguma coisa pra mim…pode ser uma Medusa com umas 3 cobras na cabeça só, ao invés de 100, que com certeza, sei que vc vai se transformar!! vamos acreditar!! hahahahaha

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  17. Silmara, parece que vc escreveu pra mim… ou melhor, para nós… porque tenho certeza que tem muita mãe na mesma… situação… Por aqui, esta semana posso dar um tempinho pelo menos pela metade, porque a Bea foi passar uma semana em Blumenau com minhas sobrinhas, mas o Théo ficou e com ele ficaram as perguntas a cada meia hora… vamos buscar a Bea hoje?… ele terá que esperar até sexta feira e enquanto isso ele não tem com quem brincar (brigar – acho que é disso que está sentindo tanta falta). Me convida pra jogar memória, bafo, bola, brincar de carrinho e jogos no computador e eu aqui com um monte de coisas pra fazer tendo que arranjar uma maneira de distraí-lo… meu desespero só aumenta quando lembro que temos janeiro inteiro pela frente … Socorro! Aí respiro fundo e me transporto com calma pra beira de um lago sereno num dia de sol á sombra de uma árvore e conto até mil…

    beijinho, Sil

    Josi

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