As flores do meio-fio

Foto: arquivo pessoal

É para cruzar com cuidado, avisa a placa plantada na esquina. Esqueceram de escrever: “Antes, veja as flores que brotaram no meio-fio”. Placas de trânsito são tão racionais.

Qual noiva quererá as flores clandestinas para seu buquê? Elas têm graça e são de graça.

Morte de quem, enfeitarão?

Que bêbado se juntará a elas na madrugada, quando esquecer o caminho de casa? Antigamente, dizia-se que gente, se bebesse além da conta, ia parar na sarjeta. Não se vê mais isso. Agora, o bebum prefere o aconchego da marquise ou banco da praça à inospitalidade da calçada. Sarjeta virou só lugar de passar água que lavou quintal, caminho de água de chuva e depósito de bicho atropelado enquanto o pessoal da limpeza não vem recolher.

Só criança colhe flor da rua. Meus filhos sempre apanham uma aqui, outra ali, e me dão de presente. Adulto gosta mesmo é de comprar.

Ninguém vai visitar o bebê da amiga na maternidade levando um caprichado arranjo vindo do canteiro da avenida, por mais bonito que ele possa ficar. As pessoas têm vergonha de oferecer presentes que não geraram nota fiscal. Levamos muito a sério o “Não pise na grama”.

Marido nenhum chega em casa com as mãos para trás, segurando a supresa que é um punhado de flores do manacá da rua de baixo. Principalmente, quando a esposa foi dormir de bico na noite anterior.

Quem é que põe como enfeite na recepção do escritório as flores cultivadas bem ali, na floreira do prédio, tão fáceis, renováveis e disponíveis?

Nem todas as flores públicas estão ao alcance das mãos, é verdade. A maioria, no entanto, sim. Basta esticar o braço.

Brinco de imaginar que as flores sem grife do cruzamento, nascidas em meio ao mato e algum lixo, foram orquídeas raras na vida passada. E nesta vieram ser flor qualquer. Reino vegetal tem carma?

Só sei que as flores do meio-fio, sujeitas à poda impiedosa no próximo mutirão da prefeitura, estão à toa na vida, sem banda para ver passar. Ninguém as quer. Nem noiva, nem morto, nem bêbado. Nem eu, que só parei para fotografar.

8 comentários em “As flores do meio-fio

  1. gostei muito da sua observação e cá estou a refletir sobre isso… verdade, nós aprendemos assim e inconscientemente agimos indiferentes com o que temos disponível, de graça.. somos fruto do capitalismo! Melhor é comprar lá na floricultura, afinal de contas vem com papelzinho colorido e fitinhas. Temos preguiça de criar e inventar, e deixamos passar por nós despercebidos o que a natureza nos oferece, bonito e tão simples assim.

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  2. rs verdade, crianças adoram pegar flor. Todos os dias, quando passeia com o cachorro, ele volta com duas amarelinhas, idênticas às da foto, outro dia o Pingo mal terminou o xixi na moita florida e lá foi o Gugui colher a flor ´já regada´. Meus olhos aflitos de mãe interromperam a ´poda´ rs

    beijos floridos, do meio fio, hein!

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  3. Sou da tribo da contrariedade. Tem placa? Faço o contrário!
    Aceita uma flor laranja? Daquelas grandes que não sei o nome mas que habitam o canteiro das grandes avenidas? Vou levar uma pra vc… Tô chegando.

    (Qto ao carma, se o budismo tiver razão, acho que chega ao reino vegeral sim. Ixi… arranco a flor ou não, em? meda…rs).

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  4. Lindo texto, ontem minha filha viu um monte de flores no canteiro perto da avenida aonde ela estuda, todas amarelas e lindas, ele deve ter pegado umas 20 flores, nem cabia nas mãozinhas, e ela lá toda feliz, olha mamãe, olha vou dar para minha professora, como eu ando cheia de coisa na bolsa, peguei uma fita rosa de cetim que costumo colocar no cabelo e amarrei todas juntas, juro que ficou mais bonito do que qualquer flor comprada, é tão facil ser feliz né, o mundo é muito mais bonito do que agente vê.

    Beijos moça Bonita

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  5. Vou confessar uma coisa: eu AMO colher flores de jardins públicos. Principalmente porque quase sempre são margaridas que eu amo – minha flor predileta.
    Só que tb quase sempre é proibido.
    Mas quer saber? Depois desse texto delicioso (como sempre), pensando aqui que algumas transgressões na vida não vão me condenar ao inferno… rsrs.

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  6. Seil, essa carapuça não me cabe! Tenho no meu jardim de varanda pelo menos 4 tipos de flores do meio-fio! Mas essas aí, que vc fotografou eu e uma amiga chamamos de “cínica”, pois nasce e cresce em qualquer meio-fio, mas quando trazemos pra casa, damos terra boa e água à vontade, elas simplesmente morrem! Cínicas! Gostam mesmo é da pouca terra na beiradinha do asfalto!!! HUMPF!

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  7. Mea culpa… Mea culpa… Meus filhos sempre colhem flores e me dão de presente e eu, pensando que elas ficam mais bonitas na natureza, agradeço e digo à eles para não pegarem, para deixá-las ali com as amiguinhas. (Ainda bem que eles não me dão ouvido!). Como você disse: “Levamos muito a sério o “Não pise na grama”. Acho que vou parar com isso.
    beijos floridos prá você

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