A enceradeira

Toda casa que se prezasse tinha enceradeira. A dona do lar precisava do trambolhento aparato – fosse presente de casamento ou adquirida em suaves prestações – para dar lustro ao piso e mostrar às visitas o quão zelosa era. Minha mãe caiu nesse conto. Todas as mulheres de sua geração, aliás. Não sei se a armação foi dos fabricantes de cera ou dos maridos que pretendiam manter as esposas ocupadas. E pensar que o advento da engenhoca foi a redenção; antes o brilho era conquistado no muque.

Eram duas, em casa. Uma, do tempo da minha avó. Outra, da época da minha mãe. A primeira era pesada, incômoda, antiquada (enceradeira e vovó). A segunda era mais leve, agradável, moderna (enceradeira e mamãe). A primeira tinha dupla função: de tão grande, cabia uma criança montada nela. Dia de faxina era sinônimo de farra, dia de andar de enceradeira. Mas só um pouquinho; dependia do humor de quem guiava a geringonça. Um verdadeiro bólido. Ou tanque de guerra. Uma arma, talvez.

Conta a lenda que as visitas exclamavam: em casa, se via dois gatos no chão. Um, propriamente dito, e outro, reflexo do primeiro. Obra do Synteko, da enceradeira e do esmero de Dona Angelina. Eu, iniciante no mundo do espelho de Alice, achava aquilo bem curioso. Até eu existia em dobro, portanto.

Minhas visitas, hoje, também dizem o mesmo. A diferença é que elas realmente veem muitos gatos. Todos de verdade. Nesse quesito, a única tradição na família que teve continuidade. Melhor assim.

A enceradeira é o símbolo cabal de que o compasso do tempo já foi outro. Ah, havia mais dele na vida de qualquer ser – homem ou mulher. A era dos assoalhos impecáveis, panelas areadas, roupas quaradas e engomadas. Onde isso, hoje? Preenchemos o tempo livre proporcionado pelas traquitanas elétricas e eletrônicas com outras necessidades. Inventamos outras areações, quarações e engomações para ocupar o tempo. Queremos mostrar o quê para quem? Urge descobrir de quem é a armação agora.

Queria mesmo era passear de enceradeira de novo.

11 comentários em “A enceradeira

  1. Em casa tinha uma marrom. Eu gostava de girar com ela parada! Mas gostava mesmo de deslizar pelo corredor com o pano velho de tirar pó. Minha mãe não gostava, mesmo o chão ficando limpinho. O que não acontecia com as meias, as camisetas, as bermudas… rs

    PS. Só eu achei super divertida a nova utilidade da enceradeira da mãe da Cecília???

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  2. Silmara, a enceradeira da minha mãe acabou parando aqui em casa. Do quartinho da área de serviço ela passou pro meu quarto, onde agora é o cabide que pendura meus colares, rs.
    Se vc quiser acho que ela ainda aguenta dar uma voltinha, rs.
    Beijos, querida, que delícia encontrar você assim.

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  3. Ah que saudades destes equipamentos, e o melhor de tudo era colocar um disco na vitrola e dançar encerando, encerando e sentindo cheirinho gostoso da cêra, e do òleo de Peroba nos móveis …È por causa deste tempo que hoje eu fiquei viciada em limpeza e chão brilhando ainda bem que temos os modernso porcelanatos…
    Ah posso te dar uma sugestão ensinar online , para agente aprender escrever bonito que nem vc…bjs,bjs e Boas Vibrações

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  4. Passear de enceradeira na modernidade só depende de duas coisas: imaginação e capacidade de desligar as tomadas das traquitanas modernas que invadem nossos dias!
    Bjs

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  5. Eu sonhava em passear na enceradeira da mamãe! Acho que, pelo menos no meu facebook, as pessoas estão preocupadas em mostrar o quanto estão felizes. O triste é que a gente sabe que não estão.

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  6. na casa da minha mãe tinha escovão… era um negócio pesado pra burro, haja muque pra usar aquele trambolho… mas lembro de uma época, eu devia ter uns 8 anos… minha mãe trabalhou em clube da minha cidade e a moça da limpeza me colocava sentada sobre a enceradeira e encerava aquele salão imenso… ficava brilhando… enquanto a enceradeira rodava eu sonhava em ser bailarina… hummmm lembrei de mais uma coisa… lá, eu andava no elevador da bebida… era uma traquitana que subia e descia por um buraco no teto, que levava ao estoque… e eu dentro de uma caixa de madeira que eles usavam para repor a bebida no bar… Meu Deus… vc tem uma maquinha do tempo aí na caxola, que ativa nossas lembranças mais estranhas e gostosas!!!
    beijão Silmara!

    Josi

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  7. Nossa Sil, viajei no tempo agora…. Realmente era mto bom o dia de encerar a casa. Tivemos dois tipos de enceradeira: uma com uma flanela só embaixo, e outra com três (acho que essa era a mais moderna…).A casa realmente ficava brilhando… Só não podia ter um taco meio solto, não é? e o escovão antes da enceradeira? Era o pior… Super pesado… Mas tudo era festa, pelo menos p nós, crianças. Hoje as coisas são mto mais fáceis, com panos úmidos deixamos o chão brilhando, e assim temos tempo p vir ao pc ler suas pérolas….. Ainda bem…. Adoro! Bjs!!!

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