Do direito à tristeza

Ilustração: Gui Machiavelli/Flickr.com

O moço publicou em sua página na internet: estava triste. Não forneceu detalhes. Tristeza de amor ou de saudade? Traçara uma feijoada inteira e ainda não digerira a culpa, ou vira um cão ser atropelado? Não conseguira pagar a fatura do cartão de crédito ou perdera o derradeiro suspiro da avó? Ninguém ficou sabendo. Em minutos, pipocaram manifestações consternadas. Preocupadas com a lacônica desolação do remetente.

Salvo parcas exceções, ninguém gosta de ver o próximo triste. (E quem gosta, não conta aos outros.) Para os que detectam o pesar alheio, livrar o tristonho daquilo que o consome torna-se, então, uma missão. Quase coletiva. Parentes e amigos – e foi aqui que entrei na história – se unem, literalmente ou não, para extirpar-lhe o objeto da apoquentação, protegê-lo da (suposta) perniciosa falta de sorriso, alimentá-lo de alegria. Todo mundo tem em si uma mãe. Pronta para colocar um bandaid na tristeza, que é um machucado da alma. Disposta a atacar a melancolia, dar conselhos, prescrever remédios, recomendar patuás, ensinar simpatias, inventar, azucrinar!, tudo para ver o triste alegre de novo. Enfim: ninguém dá sossego a um cabisbaixo. Caímos todos na armadilha da alegria eterna. Que tristeza!

A tristeza, o tal direito inalienável, tem seu revés: se o amigo a tornou pública é porque, de certo modo, pedia algum socorro. E não seria meu dever acudi-lo? Tentar animá-lo, contar piada, fazer gracinhas? O que fazer, afinal, com alguém entristecido? Toda boa ação corre riscos. E nada mais triste que uma alegria com dúvidas.

Ofereci-lhe um café forte. O que, ao menos, aquece tudo. Diz ele que aceita, mas não sei ainda para quando vai querê-lo. Não importa. A tristeza, no fundo, sabe a hora de ser feliz.

11 comentários em “Do direito à tristeza

  1. Tristeza… E quem disse que devemos querer mudar isso?? Que coisa é essa de queremos ser mãe, amigo, alguém pra trazer um sorriso?

    Por hora, eu, que triste estou… aceito apenas o café e mais nenhuma palavra. Absolutamente NE-NHU-MA.
    Esse é meu estado. E assim será por sabe lá Deus até quando.
    Mas eu aceito, de vez em quando, uma piadinha…rs…. Sou contraditória por natureza.

    Centauro, sempre admirado com suas palavras.

    Curtir

  2. acho que ele vai querer o café para logo. muitas tristezas se dissolvem naquele trecho entre a borda da xícara e o nariz, por onde corre aquela fumacinha. 🙂

    Curtir

  3. Minha frase favorita do texto de hoje:

    “Pronta para colocar um bandaid na tristeza, que é um machucado da alma.”

    E lembrei do que a mulher que não usava bolsa me disse uma vez (embora vez e outra eu entorte as palavras dela, rs):

    Quem quer ajuda pede.

    Foi sem aspas para diminuir a responsabilidade de uma citação mal feita, ihi.

    Curtir

  4. Se a minha tristeza não decidir ser feliz logo, vou ter de partir pro outro lado de mãe: umas boas palmadas.
    Por que será que me vi aí no seu texto, heim???
    Amiga querida, obrigada pelo café forte de sempre. Acredite, ele está me esquentando com o seu carinho. Bj.

    Curtir

  5. Sil,

    Só você consegue transformar um simples post numa linda crônica … sou sua fã! 🙂
    E é assim mesmo … tenho dias de tristeza, que não tenho vontade nenhuma de compartilhá-la, mas quando tenho vontade de fazê-la pública é porque estou esperando sim conforto dos amigos … da próxima vez, ficarei feliz em receber o seu café forte 🙂

    Beijinhos
    Rose

    Curtir

  6. Sil, eu enviaria a ele, sua crônica “A tristeza é feia e quer casar…” Na verdade, nenhuma tristeza quer ficar, né? 🙂

    Curtir

  7. Tristeza, de vez em quando, faz bem ao coração também! É como brigar e fazer as pazes mais tarde… A tristeza invade o espaço interior mas depois vai-se embora… num desabafo, num post na internet, escorre pelas lágrimas, é expulsa pelo sorriso que retorna aos lábios. Ela só não pode é fixar residência em nosso coração mas, passar vez ou outra, tem problema não.

    Curtir

Deixar mensagem para Cleo Cancelar resposta