A hierarquia da louça

Ilustração: Gustav Söderström/Flickr.com

Há que ter, numa pia, certa ordem na louça a ser lavada. As múltiplas castas – porcelana, inox, vidro, plástico – convivem pacificamente, mas têm lá suas particularidades. Não toleram o caos. Em casa, a missão é minha. Encerrado o banquete, ajeito tudo. Até a louça alheia, caso o anfitrião permita (a área de trabalho fica um luxo só; posso não conduzir a lavação, mas a pré-lavagem está garantida).

Para começo de conversa: panelas – miúdas, graúdas e independente do design – não se misturam à turba. Guardam em si a essência dos alimentos, o segredo do feitio. São os monarcas da cozinha. Solitários ingredientes se reúnem no verão de seu interior antiaderente (ou não), fazem festa, se transformam. A tampa se abre, e a mágica está pronta. O aroma invade o ar, enlouquece o olfato, quer se casar com o paladar. Portanto, a regra é: panelas que prepararam o alimento aguardarão o banho na sala da cozinha.

Pratos são príncipes. Rodeados de pompa, são o centro das atenções. Mimados. Só porque recebem o produto da mágica, apresentando-o a nós, comensais. Atenção: sob torneira, nada de deitar sobre eles os talheres usados. A parceria só funciona quando estão juntos na degustação. Na pia, é cada macaco no seu galho. Pratos fazem volume, a despeito da perfeita encaixabilidade. São ruidosos, querem toda atenção para si. Melhor dar conta deles primeiro, aninhá-los logo no escorredor. Assim sossegam.

Os copos, também filhos do rei, porém sem direito à coroa, são infantes melindrosos. Chateiam-se por qualquer coisa. Carecem ficar separados de todo resto, são sensíveis à gordura e, ironicamente, cheios de não-me-toque. Não contam com a característica dos pratos; dispô-los um dentro do outro é um tremendo vacilo. As taças não entram nessa farra. Nem tente. São frescas. E ficam de mal se aguardam o enxágue ao lado dos parentes de requeijão.

Súditos fiéis, a trupe de talheres e utensílios em geral está para o que der e vier: puxar na manteiga, mexer até levantar fervura, fatiar fininho, engrossar, reduzir. Depois, um seleto grupo deles faz bonito, ajudando na comilança. São simbióticos na hora da limpeza. Pegam carona com quem esteja disposto a acolhê-los: a leiteira que ferveu a água para o cafezinho, a vasilha do molho, a saladeira. Ali, aguardam serenos sua vez com a esponja.

Marido tirando a mesa no fim de semana: põe tudo pelo avesso, mistura o imiscigenável. Instala na cuba o desafio ao equilíbrio, o acinte à estética, a tortura à logística. Discretamente, vou lá organizar o movimento, orientar o Carnaval. Fila feita, mãos à obra. Luvas para não prejudicar a manicure. Água e detergente para levar embora o refugo do almoço. (Para onde, mesmo?) Ensaboa, mulata, ensaboa. Na caixa, Rolling Stones. Que ninguém é de ferro. Nem de alumínio.

5 comentários em “A hierarquia da louça

  1. Sil, acredito que isso seja uma característica feminina: eu e uma amiga conversamos sobre isso dia desses. Há que se organizar a pia antes de lavar tudo! tudo separadinho e fora da cuba! E o Vagner é irmão gêmeo do Du: joga tudo, tudinho dentro da cuba, seja de que jeito for, somente com um objetivo: que caiba TUDO, mas TUDO mesmo dentro da cuba da pia. Só Deus pra saber como ele consegue desencaixar tudo antes de lavar (uma vez por mês, né? rsrsrsrs) Qdo ele coloca tudo dentro da pia, e avisa que vai lavar mais tarde, eu vou lá, de fininho, e vou tirando tudo, organizando os pratos um em cima do outro, os talheres de molho em alguma vasilha, os copos separados….hahahaha a organização feminina!! 😀

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  2. E eu que pensei que estivesse sozinha nesse podium… E no supermercado? Alguém tem um sistema também? Meu marido acha uma graça (pra não dizer NOC) quando tiro do carrinho e vou empilhando na esteira… produtos do freezer, legumes, frutas, biscoitos-bolos-pães, lataria, cada qual junto aos seus companheiros e, quando chegam em casa, vão para suas respectivas casas felizes e de mãos dadas. Minha vida fica mais fácil assim, rapidinho coloco tudo no lugar e, dessa forma, me sobra mais tempo prá brincar com os filhos ou namorar um pouco. Viva as loucas!

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  3. Eh Silmara, só vc mesmo! Vivo explicando isso pra Nina. Pra lavar a louça tem que ter uma ordem. Até mesmo pra que tudo se encaixe no escorredor….

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