Mistério na esquina

Foto: Silmara (que não sabe quem é o Marcelo)

A tal esquina, eu dobro todo santo dia. A paisagem é automática, decorada, não faz surpresa. Um tio vende suas bugigangas de um lado e uma moça – gravidíssima – serve água de côco do outro. Num santo dia desses, estranhei: a paisagem fora adulterada. Alguém mexera no meu quadro urbano. Um recado público, de bom tamanho, gravado à tinta no muro da escola, jazia ali. A mensagem, “Marcelo, vire aqui” (a vírgula é por minha conta), era ilustrada, com seta indicando a direção. Quem precisa de Google Maps?

Aos mistérios da cidade, naquele dia, somou-se um: quem é o Marcelo? Aonde ele vai, ou foi?

Apesar de eu não ser o destinatário da mensagem, virei na mesma rua. Pareci obedecer à instrução alheia, mas era o meu caminho também. Certa de encontrar mais sinais pela frente, diminuí a marcha, caçando pistas. A curiosidade matou o gato, então redobrei a atenção. Mas, que pena, aquela era a primeira e última coordenada. O furo da minha reportagem pessoal havia ido para o espaço. Perdi a festa.

E se fosse uma mensagem em código? Forjando, no caso, informações sobre uma reunião de uma seita secreta? Marcelo, nome comum, seria apenas um codinome. Para despistar. Nunca se sabe.

E se o Marcelo seguisse a ordem e caísse num buraco mágico no meio da rua, indo parar num túnel, infinito e psicodélico, que o levaria a um mundo estranho? Marcelo no país das Maravilhas. Em pleno subsolo campineiro.

Intervenção de um anjo, talvez? Obedecesse e, no final daquela rua, Marcelo haveria de encontrar a resposta para todas as suas perguntas. Daria de cara com o grande sentido da sua existência. Quem sabe, se livraria de um acidente, já que era pela outra que ele costumava seguir, e não aquela que a seta ordenava. Ou, enfim, seria a chance de conhecer o amor da sua vida, quando parasse naquele sinal lá embaixo, que é meio demorado. Não há um anjo sequer que não tenha um lado cupido.

Há semanas o recado permanece ali, como os scraps esquecidos no Orkut. Virou um outdoor permanente. Vai durar, pelo menos, até a próxima pintura da escola.

Ê, Marcelo.

8 comentários em “Mistério na esquina

  1. O Marcelo tá com moral! rs
    Semelhante experiência passei por aqui, aliás, passo por lá toda semana! Num armazém à beira da estrada que me leva à Santa Maria de Jetibá, terra de pomeranos, há um apelo apaixonado e arrependido:
    “Branquinha, me perdoa! Te amo!”
    Quem sabe a “branquinha” de Santa Maria brigou com o Marcelo de Campinas e agora, arrependida, mostra-lhe o caminho de volta?…rsrs

    Curtir

  2. Sabe que tambem fiquei curiosa… O “meu” Marcello achou engraçado e falou que não era recado pra ele porque se fosse a pessoa escreveria com dois l´s.
    E todo dia, mesmo sem querer, me pego olhando pro recado e penso a mesma coisa que vc. Quem será e o que significa.

    Curtir

  3. Como seria maravilhoso se em alguns momentos da nossa vida encontrássemos uma placa indicando o caminho a seguir. Infelizmente ou felizmente, não sei, por vezes temos que tomar a nossa própria decisão diante de uma encruzilha e decidr qual o caminho a ser seguido, por nossa conta e risco.
    Sempre estou lendo os seus textos. Acho uma delícia cada um deles, indistintamente. Parabéns!
    Abraços

    Curtir

  4. A curiosidade também me levaria a frente…Será que o Marcelo é gente? O recado é para ele ou será que ele estava indicando para alguém aonde encontrá-lo?

    Curtir

  5. Sil
    delícia de conto… fiquei lembrando do dia em que fui na casa de uma amiga, que mor em uma chácara… como eu queria que ela tivesse colocado umas plaquinhas nas árvores indicando o caminho… me perdi, mas me encontraram e eu já estava bem perto da casa dela…

    um abraço
    bom fim de semana (com carnaval e tudo)
    beijinho
    Josi

    Curtir

  6. Tantos mundos acontecendo paralelamente ao nosso e poucas vezes percebemos isso. Vc percebe e desenha pra gente ver com uma sensibilidade criativa e mágica. Sua fã, sempre!!

    Curtir

  7. Minha teoria é mais simples… Marcelo, uma Drag Queen do Jabaquara havia se mudado pra Campinas. Como não conhecia a região passou a disputar espaço com as “meninas” da D. Zefa que há anos ocupavam aquele bairro. As “meninas” fizeram reordenação territorial e coube ao Marcelo aquela esquina. Então elas deixaram um recado pra ele saber que era ali e somente ali que ele podia fazer sua “transformação” em paz…

    Curtir

Quer comentar?