Café com paciência

Ilustração: DesEquiLIBROS/Flickr.com

Na praça de alimentação, com as crianças. Ele tem sete e ela, quatro. Enquanto brincam e se esbaldam com seus sorvetes, vejo meu cappuccino sendo tirado à perfeição. Deliciosamente perfumado, estalando de cremoso. Não chego a prová-lo, porém. O mais velho se aproxima, saltitando. Levemente desesperado, avisa:

– Cocô.

Se o moço do quiosque se chamasse José, seria de grande valia. “E agora, José?”, eu recorreria. Mas ele não é o José, aquele do Drummond. É o Artur. E no crachá do Artur, que não leva jeito de rei, nem de pai, está escrito “Em treinamento”. Bobagem alimentar alguma expectativa de que parta dele uma ideia brilhante para me ajudar a resolver a parada. Nenhum sopro de compaixão para com uma pobre mãe, não em dificuldades – posto que o episódio não é novidade e sempre se repete lá pela quarta garfada ou, raras vezes, na sobremesa –, e sim, em total desolação. Adeus, cappuccino. Artur, que está em treinamento, por certo não concordará em guardar nossas coisas por cinco minutos. Dez, para ser honesta. Crianças, principalmente em banheiros públicos, são altamente influenciáveis. A caçula, vendo a situação, ficaria com vontade também. Processo em dobro.

Ainda que o Artur topasse, gentilmente, fazer a guarda da nossa mesa, o cappuccino, frio, se tornaria uma bebida imprestável. Os sorvetes, irreconhecíveis, não passariam de uma meleca morna e indeglutível. O jeito seria fazer um novo pedido. Filhos, está provado, dão despesa.

Procuro recordar-me dos treinamentos gerenciais do passado, ensinando técnicas de liderança, persuasão e tomada rápida de decisões. Desconfio que a verdadeira utilidade desses cursos se revela na maternidade. E não, necessariamente, nos negócios. Avalio a situação:

– Você tem certeza que não dá para segurar um pouquinho?

Crianças não têm noção muito sofisticada acerca do tempo, principalmente quando estão apertadas para ir ao banheiro. Não são capazes de calcular o real tamanho de suas vontades, relativizar ou contextualizar. Engatinham em autocontrole, são aprendizes na arte da espera e, ao mesmo tempo, mestres da urgência. Simplesmente querem, e é para já. Sobretudo, não conhecem o prazer de degustar, em paz, um bom cafezinho após o almoço.

– Não dá, mãe.

Filhos são nossos melhores professores de paciência. Olho em volta. Não há como escapar dessa aula.

Resta tentar um acordo com o sorveteiro novato. Não para o cappuccino, que esse foi para as cucuias, mas com os sorvetes. Estão inteiros, bem que podem retornar à geladeira até a nossa volta.

– Artur, você quebra meu galho, e eu elogio você para o seu chefe. É pegar ou largar.

12 comentários em “Café com paciência

  1. ô meu Deus a minha falava assim: mâe ! coco agora e lá ia eu correndo e largando tudo!agora, prefere não me dizer mais nada , me larga e corre mundo afora!
    (acho que fiquei com saudades…)

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  2. Zuzu esse é um dos melhores. Sua cara esse humor. Quem é mãe não pode deixar de rir disso que, seria trágico, se não fosse cômico. Bjs !!

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  3. pode crê mulé! paciência é a palavra! tudo com eles é no tempo deles e só a gente pra entender isso, tem que ter mt amor,putz!

    ei menina linda, dos cabelos lindos e bacanas 🙂 li um bocado dos textos, leves e bons seus. Como sempre, mt querida com as palavras.

    Bj Si!

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  4. Silmara,

    O meu filho, prestes a completar 6 meses, ainda está (por um bom tempo) na fase das fraldas, fase esta em que tais emergências inexistem. Ainda mais que o pequeno levará mais um tempo para aprender a falar e expressar suas vontades.

    No entanto, é bom começar a me preparar, porque um momento como este que você narrou certamente acontecerá, mesmo que mais adiante. Tentarei me lembrar de não pedir um capuccino (ou um expresso, que seja) caso meu garoto ainda não tenha fazer sua visita ao banheiro.

    Agradeço a partilha da experiência, e a lição aprendida. 🙂

    E, afinal de contas, o Artur te deu motivos para elogiá-lo?

    Um abraço,
    Brunno

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  5. Muito bom esse texto … lembrei de uma amiga, cujo filhos têm a mesma idade dos teus … Certo dia, na casa dela, tentando fazer um lanche, ela me avisa: Lu, vai demorar muito tempo ainda, pra mim poder sentar e te dar atenção …
    Mas é o amor por esses filhos, que torna vocês, mamys, muito maiores !!!
    beijo grande,

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  6. Lembrei de você, ontem mesmo, na praça. Já tinha lido seu texto e lá estava eu com a minha cria e um cappuccino… adivinha? Alguém quis ir ao banheiro… Mas a minha mais velha – a da torneirinha aberta – tb é fã da bebida feita de café com chocolate e resolveu terminar o seu, antes de ir ao reservado… menos mal… hehehe

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  7. Faz o seguinte: dá seu capuccino frio pra mim, pois é assim mesmo que o prefiro, aliás, gelado seria melhor!
    Mas isso é bem típico de criança, mesmo.
    Semana passada fomos à praia, depois do almoço. Durante o tempão que levamos no restaurante, o menino mais novo não foi nenhuma vez ao banheiro, para não conseguir se segurar na praia, sem banheiro decente! Realmente, filhos são nossos professores de paciência. rs
    ( Gostei do novo banner!)

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  8. Por um tempo fiquei sem comer fora. Ou ia depois que os dois já tivessem comparecido ao seus “tronos reais”… kkkk
    Essa é a vantagem da epoca das fraldas… Dava pra esperar uns segundinhos… se o aroma deixasse é claro! rsrsrs…

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  9. Olá querida!!

    Que linda narrativa!

    Olha, eu achei que só eu passava por isso!!!! ahahaha
    Incrível como a pequena Juju (4 anos) sempre tem vontade de ir ao banheiro, em TODOS os restaurantes que vamos e SEMPRE APÓS A PRIMEIRA GARFADA que dou.
    Ai como é triste deixar aquela comida deliciosa. Quase sempre eu perco até o tesão de comer!
    Mas, faz parrrrrrrrrrrrte.
    O amor resolve tudo.
    bjs e bom fim de semana!

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