O mundo é uma bola

Arte: Marc Palm/Flickr.com

Fui comprar uma bola, o filho da amiga fazia aniversário. Entrei na loja de brinquedos, dessas grandes, e procurei. Nada. Pedi ajuda ao vendedor de uniforme cor de laranja. Laranjas, como as bolas, também são redondas.

– Por favor, onde ficam as bolas?

Embora não tenha sido intencional, peguei o vendedor no pulo. Bolas também pulam. Melhor dizendo: quicam. Ele disfarçou, olhou para o teto. Olhei também, será que estavam ali? O moço falou baixinho, revelando o insuspeitável:

– Não tem.

– Está em falta?

– Não. É que a gente ‘não trabalha’ com bolas. Temos só algumas, ali na seção para bebês…

Ele se referia às bolas de silicone, macias e coloridas. Que todo mundo dá de presente aos pequeninos, ainda sem dentes, para se esbaldarem na fase oral. Bebês também gostam de chupar e morder laranjas. Mas mães não as dão sempre para suas crias brincarem. Apesar de pobres em vitamina C, as bolas de plástico têm vantagens: não fazem sujeira.

– Não, essas não… Bola de jogar, sabe?

Peguei-me explicando o que é uma bola. A minha cabeça, parecida com uma e que, por conta dos sete buracos, às vezes murcha, tinha é ficado zonza com a resposta do vendedor. Que não deu bola ao assunto e tratou de encerrar o papo:

– Sei. Mas não temos – disse. O ocupado vendedor, então, foi atender outros clientes. Que não procuravam por bolas.

Pensei ser brincadeira, mas não era. A loja não tinha bola – o mais básico dos brinquedos, a diversão inicial – para vender. Era como se eu fosse à feira e não encontrasse laranja em banca alguma. “Não trabalhamos com laranjas”, o feirante explicaria. Ou então, à loja de lingerie, e não houvesse um sutiãzinho sequer nas prateleiras. Quem quisesse, e esse foi o recado do vendedor-laranja, bem treinado para a função, que escolhesse outro brinquedo. Opções não faltavam. Todas, no entanto, embaladas de certa mesmice. Ou seria sem-gracice? Nada disso, e eu estava redondamente enganada. A loja fervia. Mas ninguém estava atrás da bola. Quem fez gol?

Por fim, encontrei, numa loja que não era de brinquedos, a bola que viraria um nas mãos e pés do aniversariante-mirim. Mais tarde, na festa, teve conversa de mesa (redonda?) entre meia-dúzia de pais. O assunto? O caso da bola. Todos percebem como os brinquedos e a relação das crianças com eles mudaram, e o quanto de nós mesmos há nisso. Poucos, porém, topam virar o jogo. Cartão vermelho para quem?

Nosso planeta, sabe-se de longa data, não é chato. É redondo. Chata é a loja, que não tinha bola.

4 comentários em “O mundo é uma bola

  1. Meu pequeno outro dia fez-me um desabafo, dizendo-se sentir a “ovelha negra” da turma: não gosta de futebol, nem de novela, nem de funk…(Ainda se diverte com legos.) Tá certo que são assuntos bem variados, mas eu o acho até bem normal( fora o “excêntrico” interesse por geopolítica, aos 11 anos!).
    Se formos procurar por bonecas de pano, daquelas bem artesanais, em lojas de brinquedos não as acharemos. Viraram quesitos de coleção para presentear gente grande. Mas não é para brincar. É só para admirar( eu mesma tenho várias!).
    É. Esse mundo dá voltas, mesmo…

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  2. Verdade! não há bolas! Também já constatei isso….bola não é mais brinquedo…Agora só encontramos em lojas de “artigos esportivos”…que coisa! a brincadeira mais simples e mais querida dos meninos, virou item “esportivo”…afff 😦

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  3. Acho que isso é reflexo dos tempos em que vivemos: o tempo dos games eletrônicos. Sempre ganhei bolas futebol, era gênero de primeira necessidade na minha infância. Estava escrito que, pela ordem, primeiro eu correria atrás de uma bola. A criançada de hoje jogam futebol virtual, olhando para TV e tomando Coca-Cola. A velha bola de couro está desprestigiada, dando prejuízo ao vendedor.

    Agora trocando as bolas, é minha primeira vez aqui. Li seus textos e gostei muito. Posso voltar?

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