Salto alto: adeus ou até logo?

Ilustração: r8r/Flickr.com

Não digo que foi tardio tê-los conhecido – pra valer – perto dos trinta. Antes tarde que nunca. Embora razoavelmente tentada (culpa da biologia), costumava passar incólume ao irresistível charme dos saltos altos na vitrine, sempre me rendendo aos baixos. Decretara que não combinariam com meu guarda-roupa e que seria difícil caminhar com naturalidade. Afinal, via tanta dona desengonçada. Testemunhava as amigas com pezinhos em bolhas depois de um dia de trabalho ou da balada – micos exclusivamente femininos. Porém, sempre soubera dos poderes dos saltos altos. O que eles fazem por uma mulher não está no gibi. Dez centímetros mais alta e panturrilha turbinada, instantaneamente? Em três vezes sem juros no cartão? Nada mau.

Após longo flerte, sucumbi. Como uma viciada, comecei com pequenas doses e em pouco tempo já estava dependente. No início, combinei comigo um limite de altura: quatro dedos. Logo, eles tomavam os cinco de uma mão e mais alguns da outra. Passei a ter dificuldade para escolher um par para um simples passeio pelo parque. Foram várias temporadas sem um único tênis no cardápio. Chinelos, só na praia. Arranquei interjeições de aflição por onde passei, em pleno nono mês de gravidez do meu primeiro filho, a bordo das minhas plataformas. No dia marcado para a cesárea, não tive dúvida (ou opção): apresentei-me na maternidade com um dos que tinham muito mais que quatro dedos. Tudo indicava que minha transição da Era do Salto Baixo para a do Salto Alto estava concluída.

Nada como um filho para ajudar a gente rever os conceitos. Além de alterar, de leve ou totalmente, o rumo da carreira, estabelecer novas prioridades e ser o novo personagem das nossas orações, um rebento é capaz de transformar profundamente a indumentária de uma mulher. Os primeiros meses inauguram a fase da funcionalidade: toda peça que complicar a amamentação vai para o fundo do armário, e lá aguardará o sinal verde para retornar – o que inclui todos os tomara-que-caia e a coleção de frentes-únicas. São as férias do sutiã meia-taça, dos modelos com bojo. Em seguida, vem a fase da resignação: golas e ombros sempre cheirando a leite azedo por conta do inevitável regurgito, calças eternamente marcadas pela papinha de mamão. Chegar à festa com a cria no colo e carimbo de solado número 17 na blusa nova passa a ser normal. Depois, entra-se na fase da adaptação. Os filhos crescem e os vestidos também, tornando-se mais adequados para quem passará boa parte do dia curvada para frente, na missão de guiá-los nos primeiros passos.

No processo, por que os sapatos ficariam imunes? Do alto de um salto, atividades banais exigem habilidades e competências mais complexas. Tomar o filho nos braços na hora da birra ou depois de um tombo. Trazer, no muque, o cadeirão que estava do outro lado da praça de alimentação. Tirá-lo dormindo do carro, quando ele adquire quilos extras, e carregá-lo andar acima até o quarto. Brincar de pega-pega em pleno corredor do shopping. De salto, não dá. Anos de treino de nada valem nessas horas. Qualquer elegância vai para o brejo. Inveja danada das mães que dão conta de conciliar salto alto e filho pequeno.

Por essas e outras fiz, nos últimos anos, uma volta às origens, espécie de regressão. Aos poucos, fui me separando dos saltos. (Do agulha, definitivamente, eu me divorciei. Agulhas foram feitas para costurar e dar injeção. No pé, só na sessão de acupuntura.) Minha sapateira assistiu, lentamente, ao retorno das sapatilhas, rasteirinhas, tênis e chinelos. Logo eu, que dessa água não bebia há tempos. Guardei, no entanto, os altos. Tenho esperanças que o jejum não seja um adeus, somente um até logo. Olho para eles todos os dias e repito, num mantra: “Amanhã, sem falta”. Amanhã.

5 comentários em “Salto alto: adeus ou até logo?

  1. faço minhas as suas palavras e confesso que filho tira mesmo a gente do salto.. eu, que aos 18 descia da palista pela brigadeiro luiz antonio até chegar na estados unidos com um salto de 10 cm, agora, sequer caminho uma quadra plana da paulista com o mesmo salto…

    verdade que o Gugui é bem culpado, e agradeço pela volta triunfal das ‘balerinas’ e rasteiras…

    sempre assim, Deus tira de um pé e bota no outro (sem salto, por favor) 😉

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  2. Oi Sil, adoro sapatos, pareço mais centopéia kkkkk

    Como fiz dança de salão e frequento alguns bailes aprendi a gostar dos salto, os agulhas então adoooooooooooro, mas, a coluna não permite tanto tempo. Então, hoje sou usuária do allstar kkkk, mas, não abro mão de nos finais de semana sair de salto. bjssssssss

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  3. Oi Sil…eu acho lindo nos pés de quem consegue andar com elegância… acho que tem mulheres que nasceram pra se equilibrar (e conseguir) num belo salto…
    se for pra ficar bem paradinha num lungar, ou sentadinha eu até topo, numa festa, por exemplo, mas já viu uma moleca (de quase 40) paradinha, sentadinha, numa festa?… então nada feito… Quando a festa esquenta, e não dá mais pra ficar parada, coloco o glamour de lado, tiro o salto e me divirto. Pra dirigir então, ninguém merece a instalbilidade nos pedais, sem falar do medo que dá… não…. Definitivamente sou amiga do tênis, da sapatilha, da minha bota moicano ou qualquer coisa bem confortável… é essa a palavra… conforto. E nenhum salto, por mais anatômico que seja consegue me dar isso… conforto.
    Mas que são lindos e sedutores, ahh se são!
    beijinhos e bom fim de semana

    Josi

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  4. Ebaaaaaaaa!
    Consegui ler seu texto antes de pegar o avião!!!
    Diferentemente da bolsa (q ainda não uso) o salto alto é um acessório q me enche os olhos.
    Beeeeeeijos

    Adeus ou até logo?

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