Ilustração: Kilgub/Flickr.com
João e Maria trabalhavam na mesma empresa. Ela era de Compras; ele, de Vendas. Ela falava ao telefone o tempo todo, fazia cotação, negociava, ficava nervosa, fechava negócio, pedia para entregar rápido. Ele passava o dia na rua, visitava cliente, negociava, ficava nervoso, fechava negócio, prometia entregar logo. Encontravam-se apenas na hora do cafezinho – Bom dia…, Bom dia! – e iam cada um para seu lado. Ela precisava comprar. Ele, vender. Mal sabiam que essas coisas andam sempre juntas.
João era solteiro. Maria também. João morava num apartamento velho, daqueles grandes. A casa da Maria era novinha em folha, dessas minúsculas. João tinha uma lambreta dos anos 50. Maria dirigia um jipe 62, herança do avô. Os dois nasceram na década de 70.
Maria andava de olho no João desde o último amigo-secreto. João nem percebia, bobão que era. Maria, tonta, se conformava.
Maria passava o fim de semana no sítio, fazendo trilha com o pai e cozinhando com a mãe. Faziam doces, geleias, comidinhas. Ela sempre voltava para casa com coisas gostosas, para a semana toda. Na casa avarandada, que dava dez da sua, tomavam café de coador, assavam pão pela manhã, falavam dos três tempos que regem o mundo: presente, passado e futuro. Maria reclamava da vida, abria o coração e dele sempre saía João. Quem sabe não tirava umas férias para esquecê-lo? A mãe dizia que ela não precisava de férias coisa nenhuma. Precisava era namorar. Todo sábado elas preparavam uma fornada de biscoitinhos da felicidade, batizados assim pela avó, para que ela levasse ao trabalho. As colegas gostavam. Um dia, ao tirar a assadeira do forno, Maria arregalou os olhos. Não sabia que estava com a felicidade nas mãos.
Chegou abril e o outono já se acomodara no ar. Maria lia o jornal quando se deu conta: ainda não havia feito seu imposto de renda. Vivia fazendo conta para os outros. Lidava com o dinheiro dos patrões, mas não cuidava do seu. Embananava-se com os próprios números. Renda, para ela, só em vestido ou cortina. O irmão caçula fazia o imposto para ela, todos os anos. Mas daquela vez ele não poderia quebrar seu galho.
João precisava fechar os pedidos da quinzena. Foi visitar um cliente antigo que já havia virado amigo. Beberam um espresso, falaram do Brasileirão. João reclamou da vida, abriu o coração, disse que precisava de férias. O cliente disse que ele não precisava disso, precisava era namorar mais. João arregalou os olhos. O cliente sempre tem razão.
Fim de abril. Quem deixara para fazer o imposto na última hora corria atrás do tempo. Na empresa, uns aproveitaram o almoço. Digita os dados, grava, envia, pronto. Maria nem sabia por onde começar, o jipão entrava ou não? João aproximou-se da sua mesa e quis saber do que eram aqueles biscoitinhos. Experimentou um. Repetiu. Olhou para a tela do computador e viu nela refletidos os olhos perdidos da Maria. Perguntou se ela queria ajuda. O dele estava pronto há dois meses, moço precavido.
E foi assim, parecido com a canção: João ensinou Maria a fazer imposto de renda. Maria ensinou João a namorar. Logo ela, que nunca havia feito declaração de amor. Nem completa, nem simplificada.
Ô, Silmara, muito linda sua crônica! Adorei o João e Maria adultos, nessa história tão poética e sincera, em que se ninguém se perde! E viva a confusão do IR!
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Dei uma pausa nos estudos e passei por aqui. Adorei.
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Meus olhos encheram de lágrimas de felicidades. “Não sabia que já estava com a felicidade nas mãos.”
Sempre acho que vc adivinha meus pensamentos, sempre me encontro em seus textos.
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Oi Sil
Li seu texto para o Edno…
estamos tão cansados, e já nos preparávamos pra dormir, quando lembrei que não tinha lido seu texto, e que de hoje não passaria.
Voltamos de São Paulo ontem a noite, e foram 4 dias de correria, muita gente e barulho, na Expomusic, mas agora, nossos ouvidos pedem o silêncio, ou uma muisiquinha assim, mais calminha, como… “olê mulher rendeira, olê mulher renda….”
um beijinho Sil
lá no blog, fotos da feira da música… só faltou uma foto do Zeca Baleiro, que não vi, mas que esteve por lá…
Beijinho
Jo
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Sil querida,
lindo, lindo, lindo.
Respondi seu email, vc viu??
Uma mega resposta.
Estou com saudades. Me responde de volta.
Bjs.
Ana Paula
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Gostei da história, de qdo o amor acontece, nas barbas do leão.
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O começo é sempre assim, inesperado e lindo. É capaz de nos fazer sonhar.
Gostaria de saber sobre o que aconteceu com João e Maria. Se ela levou ele para passar alguns dias no sítio, só para relaxar do trabalho. Se ele continua assim, meio desligado, sem perceber o quanto Maria é apaixonada. Ou talvez seja melhor nem saber sobre o desenrolar dessa história, é tão simples e bela. Ótima para ler em um sábado de manhã.
Beijos
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Silmara, que lindo, flor! Que delícia essas lágrimas agora nos meus olhos..De encantamento por João e Maria! Que duas doces figuras…
Delicioso conhecê-los nesse fim de sexta-feira 🙂
bjos no seu coração!
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Adorei o texto! Que possam sempre existir muitas “Maria” e “João” dispostos a trocarem informações e que disto surjam muitos outros amores. Bjs
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Obrigada pela deliciosa leitura SEMPRE
Acho que “te amo”, Silmara!
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Taí porque o microconto não ganhou. Faltavam quarenta linhas para ficar perfeito…
Beijo, Sil!
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Delicioso!
Beijo doce!
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Olá querida!!!
Que fofura de texto… AMEI!
bjssss e um ótimo final de semana
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Que lindinho! tão bom ler uma história de amor, ainda mais numa sexta-feira…”Que seja eterno enquanto dure”, João. E que “dure para sempre”, Maria….
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