La solitudine

Ilustração: Gura Eyal/Flickr.com

.

– Uma inteira, por favor.

O vidro, intransponível, deixou passar a surpresa da bilheteira. Pelo microfone, ela quis confirmar. Talvez não tivesse entendido direito:

– Só uma?

O moço aproximou-se do diminuto alto-falante cravado no vidro que os separava:

– Isso. Só uma.

A bilheteira se remexeu na cadeira. Olhou para a colega à direita, que baixou os olhos, não queria confusão para o seu lado. Buscou a da esquerda, mas essa não poderia fazer nada. Enfrentava problemas com o cartão de débito do casal de velhinhos à sua frente. Que soltavam impropérios, achando que nada se ouvia lá dentro. Desamparada, encarou a situação, tentando simpatia:

– Vai vir mais alguém? Pode comprar depois… A sala está vazia, mesmo. Esse filme não fez sucesso.

Ele mordiscou os lábios. Então não podia ir ao cinema sozinho, era isso. A solidão alheia incomoda mais que a própria. Ali, ela era denunciada: onde estava seu complemento, seu bando? Macacos andam em bando. Ele não era macaco. E macaco nem vai ao cinema.

A bilheteira pediu, Só um minutinho, e chamou o segurança pelo rádio. Que ao chegar mediu-o de cima a baixo e, já ciente do caso, interrogou:

– Você é repórter? Aqui vem sempre repórter fazer crítica de filme.

Ele teve que explicar que não estava esperando ninguém, nem era repórter. Só não conseguiu explicar seu caso de solidão voluntária. Num sábado à noite, ainda por cima. Quando a cidade é inundada por pares de todas as espécies. As pessoas não querem ninguém, nem nada, sozinho. Uma amiga que contou. Ela entrou num café e pediu:

– Um croissant, por favor.

– Pois não. E para beber?

– Nada.

– Como assim, nada?

– Só o croissant.

– Nem um café, um suco para acompanhar?

E ela:

– O croissant me faz companhia, e eu faço companhia a ele. Quando eu terminar de papá-lo, estaremos mais acompanhados que nunca.

Diz que a garçonete até fingiu um sorriso. Por dentro, porém, não gostou. Ou não entendeu. Como se tudo na vida só funcionasse com alguém, ou alguma coisa ao lado. Quem fez dupla com Deus quando ele resolveu criar o universo?

O moço só queria ir ao cinema. Sabia que, só, também se faz verão. Mas parece que ninguém consegue nem ser, nem estar sozinho em paz. Nem andorinha. Nem croissant.

11 comentários em “La solitudine

  1. Sil, como diz a beth, a europa tem desas boas coisas, a solidão é opcional, acompanhada só quando se quer. Filha e marido me acompamham neste ‘but de chemim’, mas o que gosto mesmo é de estar so. O meu tempo sozinha é sempre muito curto, fico sempre espreitando o proximo encontro romântico com a minha pessoa. Amigos de montãp, gracas à Deus, mas… não troco por nada um dia inteiro comigo mesma!

    Curtir

  2. Depois de meses na minha solidão, volto a visitar seu blog…e me identifiquei com o que li acima, vivi meses de “solidão” por achar que tinha amigos, amigos na religião ou religião com amigos, mas não…ou eu não os adentrei em minha vida nesse momento. Agradeço aos croissants que me fizeram preciosa companhia. Beijos….Saudades.

    Curtir

  3. Hoje, a despeito de estar atrasada para a aula de francês, parei para ler o texto. Ele estava me chamando desde que você o postou. Adorei, como sempre. E é até engraçado, mas desde que meu namoro terminou e que fui morar só, ando encontrando por aí textos sobre ser sozinho que me confortam e me fazem rir.

    Frase favorita: “Quem fez dupla com Deus quando ele resolveu criar o universo?”

    Curtir

  4. Outro dia, meu marido, eu e meu filho fomos numa matinê, numa cidade próxima. Pelo horário já imaginávamos que não haveria muitas pessoas. Quando entramos na sala só havia um rapaz que não se conteve com a nossa entrada e disse em alto e bom som: ahhhh, eu queria assistir sozinho!!!
    Seu post me fez lembrar esse episódio, a solidão é as vezes a melhor companhia, fazer o quê!
    Fazer coisas diferentes já não é tão anormal, até eu gosto de pastel sem recheio!
    Beijos

    Curtir

  5. É um enorme prazer poder andar, viajar, passear na própria boa companhia. Incomodadas as pessoas deveriam ficar com a solidão a dois e a três e quatro…
    Quem é boa companhia para si mesmo sabe… (no cineminha, café, viagem, etc…), que o mundo não entende este prazer de estar feliz por estar consigo mesmo!
    Boa, Silmara. E divertido o seu conto de hoje!

    Curtir

  6. Olá linda Silmara!!!
    Muito bem humorada hoje!
    E o que dizer sobre minha tentativa incansável de explicar à menina dos churros, que eu quero o meu sem recheio e sem cobertura !!! (ahahaha) …IMPOSSIVEL, mas eu continuo tentando.
    Boa semana!
    bjs
    Cris.

    Curtir

  7. Oi Sil,

    vou ao cinema sempre sozinha, estranho é quando vou acompanhada kkkk
    Mas, confesso que causo inquietação até na minha mãe que não acha muito interessante a idéia.

    bjs

    Curtir

  8. Nossa, aqui na Europa a coisa mais comum do mundo é ir sozinha ao cinema. E eu que já fazia isso há 20 anos no Rio de Janeiro, aqui então não tem o menor problema. O mesmo vale para mulheres sozinhas em cafés…tem vezes que a melhor companhia é mesmo um bom livro ou revista e um café bem gostoso!!!

    Solidão, quando voluntária, é ótima. E até necessária.

    Curtir

Quer comentar?