Confissões de uma mulher apertada

Ilustração: Davi Sommerfeld/Flickr.com

Preciso ir. Não vou. Adio o momento com a garra do super-herói, a fé do cristão, a resistência do ativista. Não posso parar, preciso fazer o maior número de coisas no menor espaço de tempo. Nessa ingrata missão de vocação masoquista, não desperdiço um minuto sequer. Apesar de estar no conforto do lar, fico apertada. E não vou fazer xixi.

Com os anos, tornei-me insensível à súplica da bexiga repleta, implorando por alívio. Sem a devida atenção, ela dá um jeito de ser ouvida. Pressiona quem estiver à sua volta, faz lobby com outros órgãos. Causa dor e incômodo e, mesmo assim, eu me nego a atendê-la. As pernas, compadecidas, põem em curso um movimento solidário à vizinha oculta. Agitam-se. Até meus pés ficam sabendo. Todos os sinais para me comover são dados. Sem sucesso: não paro de ler o jornal para ir ao banheiro. Nem perco o filme, é a parte mais interessante. Não me levanto de madrugada, limito-me a torcer para que a bexiga pegue no sono. Tampouco interrompo a escrita em andamento, sob o risco imaginário de perder o fio da meada. Sou escrava da pressa. Refém da ansiedade. Algoz de mim mesma. Desafio meus limites, pago para ver. Comporto-me como criança – ainda que elas não sejam hábeis nesse tipo de contenção. Infantil é imaginar que o mundo não tolerará minha pausa. Pueril é minha noção de tempo, classificando de longo o breve tempo de ir ao toilette.

Xixi: líquido excedente que o corpo não vai precisar. Quem manda no negócio são os rins, gêmeos idênticos encarregados da triagem. Meu cérebro tem a aprender com eles. Exposto a tanta notícia, do amanhecer até o anoitecer, ele também poderia filtrar o excesso de informações que recebo, produzo e processo, diariamente. A cabeça, esvaziada, ficaria mais leve. Retida nela, apenas o que importa, o que vale a pena ficar. É sempre bom lembrar: infecção de urina pode ser tratada com antibiótico. Ideias infeccionadas, não.

7 comentários em “Confissões de uma mulher apertada

  1. qua quara qua qua ,de novo! essa graça aí me deu de presente alguns cálculos nos rins e algumas infecções , tomei vergonha e descobri o prazer de fazer xixi e nunca mais produzir pedras, pensei assim: ” tanta coisa boa p/ fazer com esse corpinho e/ eu vou fazer pedras!?!?!! nunca mais!isso tem dez anos , e agora vivo em paz eu e meu copo dágua.

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  2. Na faculdade, tinha o apelido de “incontinência urinária”. Hoje, tenho TOC: xixi só depois do pedido lançado, do relatório conferido, do ensaio acabado, do texto lido.

    Melhor voltar aos tempos da incontinência. E aplicá-la a outros setores do corpo. Vai que consigo me desfazer das tais ideias doloridas por aqui.

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  3. Adorei esse fim.
    Que dó, já fui assim com minha bexiga, hoje não mais. Não seguro xixi, nem a pau, e por isso não bebo em viagens, pois me acostumei a não guardar isso.
    Mas tenho revistas, caneta no banheiro, bem na minha frente, não posso perder, também, meu tempo.
    Preciso ler, saber coisas, anotar.

    Prazer, tá aqui outra doida…

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  4. Oi Sil,

    bem, eu não consigo segurar tanto tempo o xixi, quando aperta vou logo, porque fico incomodada… acho que isso é reflexo da educação de criança, fazer xixi antes de tudo, de sair, de dormir, de ir ao cinema e assim vai kkk

    bjs

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  5. É mesmo amiga, e agora… em tempos de mentiras e promessas, nosso cérebro já recebe o “xixi” pronto, nosso cérebro-rim nem tem muito trabalho, só dar um comando simples para a mão desligar a TV…
    boa semana Sil
    beijinhos
    Josi, Edno, Bea, Théo, Dingo e Cristal….

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