Mamão papaya

Ilustração: Mars

Não posso passar perto de mamão papaya em dia de sacolão. Compro. O ritual de colocá-lo na cestinha, levá-lo para casa e acomodá-lo na fruteira representa o meu desejo de ser uma pessoa mais saudável. De me alimentar melhor, emagrecer, acordar cedo, voltar a caminhar na lagoa, ser mais gentil e paciente, chegar aos cem anos fazendo tai-chi-chuan na beira da praia com o nascer do sol. O mamão papaya é a minha promessa de ano novo, sacramentada toda semana. Sepultada quando, de longe, o avisto apodrecendo na fruteira. Ah, não. Fiz de novo.

Para ajudar no cumprimento da promessa, de tudo já tentei. Transferi a fruteira de lugar, para não perdê-lo de vista. Guardei-o na geladeira, para não perdê-lo prematuramente para os fungos. Arrumei um prato bonito para servi-lo no café-da-manhã. Mas ele sempre retorna intacto ao seu posto. O mamão papaya perde para o pão com requeijão. O Sucrilhos. O bolo de fubá. A granola com sua colega, a banana. Para azedar tudo de vez, aqui o mamão só tem a mim como simpatizante. Se ele não for meu, não será de ninguém. Melhor dizendo: será das minhocas que habitam a composteira recém-instalada no quintal. Sim, tenho novos inquilinos. Ideia do marido, que resolveu dar uma mãozinha para a sustentabilidade do planeta. Ou represália, por conta dos bichos da rua, bem maiores, que vivo trazendo para casa. Torci o nariz: as minhocas ou eu. Elas ficaram. Eu também. São boazinhas, reconheço. Não fazem barulho, não saem de seus aposentos, não arrumam encrenca. Quase invisíveis. E comem quase todos os nossos restos. Devem vibrar quando o papaya, inteirinho, cai lá.

Mamão, na minha família, é como um parente bem-vindo, inteligente. Respeitado, até. Mas que ninguém quer muito papo. Ninguém dá muita bola. Fica de lado, esquecido, apesar de todos reconhecerem seu valor. Segue decompondo-se na solidão enquanto todos vão para os pratos – bananas, laranjas, mexericas, mangas, até o exótico gengibre – , menos ele. O último resistiu cinco dias em completo abandono. Escondido sob os limões, que também não saíram para passear naquela semana. Mais resistentes, estes conseguiram aguardar o dia de fazer companhia ao badejo. O frágil papaya, no entanto, já se encontrava em adiantado estágio de putrefação. Um cadáver vegetal. Duvidei da felicidade das minhocas quando o viram. Meu projeto de vida longa era, mais uma vez e literalmente, enterrado.

Semana que vem, eu sei, farei tudo de novo. O homem se distingue dos demais animais, dentre tantas coisas, pela capacidade de ter esperança. Bicho não sabe o que é isso. Com as minhas renovadas, escolherei um exemplar bem firme, dum alaranjado vivo. Cuidarei para que não esteja, e nem fique, machucado. Eu o colocarei sobre as outras frutas, papayas são sensíveis. Determinada, iniciarei um diário e registrarei: hoje comi mamão. Darei o passo definitivo em direção aos meus cem anos, ao tai-chi-chuan na praia. Daqui sessenta anos serei, então, entrevistada por um repórter curioso, ávido por descobrir o segredo da minha longevidade. Contarei que dia sim, dia não, ao longo da vida, dei casca – só a casca – de papaya para as minhocas comerem. Basicamente isso.

21 comentários em “Mamão papaya

  1. Haahaha chegar aos 100 anos fazendo tai-chi na praia….Tb eh meu sonho!
    E concordo a gente soh come se ele eh colocado num lindo prato, ja cortado, como nos fantasticos buffets de cafe da manha de hoteis paradisíacos…

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  2. Aqui em casa o pobre coitado também tem ocupado segundo plano….
    Quer uma dica? Faz vitamina com ele; é uma delícia!
    Beijos!

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  3. Sil, pior do que perder o mamão, trocando-o por sucrilhos e bolo de fubá, é comê-lo com açúcar como faz meu marido…rsrsrsrs O bendito já é tão docinho, perfeito…. Isso é que é se enganar achando que esta fazendo uma dieta saudável…hahaha Nós aqui já tivemos a composteira…. Faltou-nos tempo, porém, para continuar a cultivá-la como ela merece e precisa….absurdo, mas também fazemos promessas de que vamos melhorar nossa qualidade de vida….rsrsrsrs

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  4. Sil, aqui em casa a manga rosa faz companhia ao mamão papaya toda semana. Marido compra os dois TODA SEMANA, e NUNCA come. Eu não gosto de mamão (acho que tem gosto de cocô, embora nunca tenha comido cocô) e tenho preguiça de comer manga, pelos fiapos que ficam nos dentes e sangram qdo passo fio dental. As duas frutas que não deixo perder são banana (amassada com linhaça e neston) e maçã (sempre dentro da bolsa, pra comer na hora do desespero).

    Acho que vou aproveitar que estou de “secretária nova” e encarregá-la de dar fim nos dois, seja fazendo suco ou salada de frutas. juntando com as maçãs e bananas.

    Beijo!

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  5. É exatamente assim. O mamão papaya deve ter uma crise de autoestima. Ou, no mínimo, uma confusão na sua cabeça: por que todo mundo me acha bonito e gostoso, mas me deixa jogado às traças? Opa! às minhocas?

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  6. Nossa, exatamente o que acontece comigo! Compro o mamão e nunca como.
    O sanduíche, o iogurte, tudo tem mais preferência na hora de serem digeridos! hehe

    abs, você é ótima!

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  7. he, he…Esqueci:
    Quando ficar famosa e for entrevistada, respondendo sobre o segredo da sua beleza e longevidade, não esqueça de contar que foi a minha dica, que mudou sua vida! ( rs)

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  8. Que novidade boa, hein? ( Que está escrevendo o livro e não, que tem deixado o papaya estragar. rs)
    Sabe o que eu acho que deva ser o problema (pra que não se sinta tão culpada)?:
    As frutas, hoje em dia, estão pegando o costume de gente: são mais bonitas por fora, que por dentro. Ou vai dizer, que todo belo mamão levado pra casa tem a doçura esperada?!
    Na maioria das vezes, somos seduzidos por sua beleza( e na arte da dissimulação, eles são peritos!)! Sempre o levamos, com a certeza: este sim: é dos bons! Quando o abrimos, que decepção! Aquele amarelo, pálido!…
    Quer uma dica pra comê-lo, sem culpa(pois sofro do mesmo “mal”)?
    Aprendi uma receita que usa mamão e aveia( pra parecer saudável e ajudá-la a viver mais 100 anos!).
    É batata! Quer dizer: é mamão, maquiado com canela, cravo e açúcar mascavo, que você manda pra dentro, rindo! rs
    Agora, se vai viver mais, por isso?…Ao menos, esta preocupação não vai encurtar sua vida. rs
    Abraço!

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  9. Silmara, que saudade de passar por aqui! Como sempre, seus textos maravilhosos fazendo uma luzinha de alegria se acender em mim…
    E que felicidade ler ali em cima que você está produzindo seu livro!
    Um beijos grande!

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  10. Ah, o mamão e seus mistérios… Para alongevidade, deixe o papaya para as minhocas mesmo e se jogue no formosa, por causa do colesterol que dizem ter o papaya.

    E em vez de tai chi, que é lindo, proponho Chi Kung, ainda mais etéreo.

    Espero vê-la aos cem anos passeando de beetle amarelo ouvindo Elis no último, mesmo que seja do lado de lá.

    beijos sempre

    Paula

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  11. esse texto e tuas palavras me fazem acreditar que não unica nas promessas não cumpridas, promessas tãooooo faceis e tão duras dariamente!!

    🙂

    estou mais leve!
    bejosssss

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  12. Silmara, estou aqui de boca aberta… te descobri através do blog da Dani do Edredons Fotos e Listras”, e o texto ” Brincadeira séria me tocou profundamente, agora tenho seu blog nos meus favoritos, vc é abençoada!
    PArabéns
    bjocas

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  13. Querida!!!
    Que delícia de texto!
    Eu tb achei que só nós, lá de casa, faziamos isso… ahahaha
    bjssssssssssssssssss…

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  14. Oi Sil,

    adoro mamão papaya, mas, também costumo colocar metas nas frutas, metas de me fazer mais magra, porém, nem sempre consigo.
    Adorei o texto,
    bjssssssss

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  15. Ah não!!!! E eu aqui sofrida, doidinha pra comer um mamão docinho, firme, com aquele alaranjado que só o mamão tem! Os daqui são enormes (como tudo nessa terra), porém sem doçura e sem cor! Eles vem de algum lugar da América Central e saem de lá tão verdes pra poder aguentar os perrengues da viagem, que quando chegam aqui não tem sabor. Entao, Silmara, da próxima vez que vc comprar um mamão lembre-se que tem gente por aí nesse mundão que daria tudo por um mamãozinho.

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  16. Genteeeeee, que tudo. Tenho o dom de deixar mamão perder. Nem todas as vezes; se há banana e abacaxi eu faço bem uma salada, mas se há o meu fica em estado pior que os seus, pois aqui tem minhoca não.

    Uma boa sugestão é pedir que alguém corte o mamão de jeito bonito e já deixe num pratinho pra você, assim, como se fosse num hotel dqueles chiquetérrimossssss… Cola.

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  17. Sil linda,
    você é fofa demais.
    Sabe quem come papaya praticamente todos os dias??? A Lê. Desde pequetita.
    Pelo menos ela vai viver cem anos.
    Beijocas.
    Ana Paula

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  18. Incrivel !!! pensei que isso acontecesse só comigo, parece que vc captou meus pensamentos. hahahaha!!! texto maravillhoso, parabéns…..perfeito !

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