Apontador

Ilustração: Smeerch/Flickr.com

Apontador de lápis é desses objetos universais que dispensam explicação. Todo mundo sabe para quê serve. Todo mundo já usou – ou usa – um. Toda lista de material escolar pede. E qualquer papelaria tem. Só há um problema: nenhum funciona direito. Nenhum.

Nunca vi um que apontasse sem quebrar a ponta dentro. Sem esmagar a madeira. Sem proporcionar a péssima sensação de que mais uma volta e tudo – apontador e lápis – se espatifará. Os que têm depósito são os piores. A tampa não fecha perfeitamente e, quando menos se espera, os restos mortais do pinus caribaea vão ao chão, formando um mosaico colorido ou preto-e-branco, definitivamente irrecolhível. Ou caem sobre o trabalho em andamento; você tenta recolher com a palma da mão e as raspas das pontas saem pintando tudo. Isso quando não se espalham dentro do estojo, que nunca mais será o mesmo. Dois anos depois ainda se encontrarão nele os vestígios do acidente.

Na infância, sonhava com aqueles apontadores elétricos, que eu só via nos filmes. O lápis sem ponta, murcho, deslizava buraco adentro e ziiiim!, saía renovado. Um fetiche escolar. Mas, além de caros, eles jamais caberiam num estojo. Continuava, então, com os meus, sem graça e defeituosos de nascença. Num dia ruim, poderia perder a metade de um lápis numa só tentativa de dar-lhe uma ponta nova. Esforçava-me para conseguir fazer uma volta inteira, para ver surgir na outra extremidade uma linda e delicada saia rodada, com barrado colorido e ziguezagueado. Desejava ser uma bonequinha miúda para vesti-la, antes que se quebrasse ao mais leve toque dos dedos.

Cresci e passei a achar lápis apontados com estilete um charme só. O processo exigia um cuidadoso ritual, que lhes dava um aspecto rústico. Único e individual, como pedia a crise de identidade na adolescência. E, tal o amor decantado pelo poetinha, infinito enquanto durasse.

Na fase adulta, quando os fetiches e o charme das coisas mudam de definição, adotei a lapiseira. Aboli, vitoriosa, o apontador. Sua inimiga está sempre apontada, pronta para o uso. Certa vez, encantei-me com delicadas miniaturas em ferro envelhecido. Eram aviões, canhões de guerra, navios, telefones antigos, instrumentos musicais. Foi com surpresa e decepção que descobri: não passavam de apontadores. Nada é perfeito. O kitsch venceu.

Filhos pequenos na escola, voltei a conviver com os apontadores. Descubro que agora eles são maiores, com personagens de desenho animado, têm formatos inusitados e preços injustificáveis. Viraram brinquedo. Continuam capengas em sua função principal, no entanto. Quase me rendo à nostalgia: onde é que foram parar os apontadores antigos, retangulares, simples, onde o máximo da variação era a cor? Nessa idade as professoras ainda não deixam usar lapiseira, muito mais prática, asséptica e econômica. Embora, admita-se, não tão charmosa. Mas as crianças precisam ter suas fases. Enquanto isso, o apontador de lápis parece não conseguir nem mesmo apontar uma solução para si próprio.

9 comentários em “Apontador

  1. Também aderi ao estilete na aborrescência, imitando a minha mãe, rs. Só que eu não era muito boa de serviço e terminava tendo que escrever com gravetos tortos, cheios de entalhes não planejados, às vezes com exposição exagerada do miolo, enfim, uma desgraça! Hoje prefiro as lapiseiras, mas quando quero apontar os lápis de cor, sabe do que mais? Uso um apontador. 😉

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  2. Ai, Silmara,
    Perdi meu apontador que era muito bom. Não tenho a minima idéia de quando, nem onde. E eu que “pastorava” tanto o bichinho. Fiquei arrasada. Mas tentarei encontrar outro e sei que será difícil. Quando descobri que perdi, lembrei imediatamente de você. Pensei: “Preciso contar pra Silmara”. Meus colegas de trabalho me deram outro, pra me consolar, mas ainda nem testei, por descrença mesmo. rsrsrs
    Bjs,
    Su

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  3. Sil, quase morro de rir, fiquei me lembrando das minhas lapiseiras, que inclusive ainda uso, que realmente não fazem seu serviço direito, quebram todas as nossas pontas, quando não acabam com o lápis inteiro e não funcionam kkkk

    bjs Sil, ótimo post

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  4. Incrível Silmara, reclamei disso outro dia…Enquanto Nina fazia lição eu tentava apontar os lápis de cor. Desisti do apontador de marca famosa e fiz todas as pontas no estilete. É terapêutico, mas infelizmente, são raros os momentos de tempo livre para isso. Lembrei que na minha infância meu tio tinha um apontador como esses elétricos (pensei em comprar um, mas desisti por causa do preço) só que manual. O efeito era o mesmo, a ponta ficava perfeita, ao invés de ligar na tomada a gente girava uma manivelinha, uma graça! Olha, adorei a ligação das fases da vida com a mudança do grafite. Eu não gosto de lapiseira, será que ainda não amadureci?…rs…
    Beijos

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  5. EU me irrito muito fácil… quando o assunto é lápis, e seu delicado grafite que se quebra por dentro na queda… então… apontadores aqui só os da lista escolar. E ficam restrito à escola… eu, uso estilete desde o curso de desenho de moda onde aprendemos a apontar os lápis com pontas longa e finas como as modelos que desenhávamos. Na faculdade também o apontador não entrava e as lapiseiras eram a nossa saída mais fácil para as aulas de desenho geométrico e geometria descritiva onde as diferentes espessuras de linha eram exigência, desde essa época tenho uma lapizeira com grafite 0,3 além da 0,5 e de uma 0,7…. eu gosto muito delas, mas não dispenso meus lápis… e quando os filhos vem me mostrando seus lápis de cor sem pontas, me encho de orgulho, paciência e boa vontade, pego meu estilete e vou fazer as pontas deixando todos os lápis felizes e prontos pra pintar o sete!
    Beijinho Sil…
    Bom fim de semana!

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  6. Adorei o texto. Como sempre, poético. Adorei a ligação da passagem das fases etárias da vida com a mudança de escolha do objeto para escrever. Há alguns meses atrás precisei comprar um apontador. Voltei a gostar de usar lápis em vez de lapiseira. Será regressão??? rsrsrs Decidi que compraria o mais barato, já que não serviria mesmo, daqueles retangulares. Custou 30 centavos. Para surpresa minha, ele é muito bom. Até empresto, mas sem me deixar esquecê-lo com alguém. Sempre penso em voltar na mesma loja e comprar vários pra presentear as pessoas que como eu ainda usam lápis. Bjs

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  7. Não dá mesmo para entender, nos dias de hoje e ainda temos que usar os terríveis apontadores, que são na verdade, roedores, destruidores de lápis.
    Na minha infância o cesto de lixo da sala de aula ficava atrás da porta e eu toda faceira querendo matar aula, ficava um bom tempo, apontando meu lápis e saía sempre do esconderijo só com um toquinho, era um lápis por dia!

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  8. Puxa que espetacular suas cronicas!!!, incrivel como me prendeu por mais meia hora aqui no seu blog. Queria te fazer um pedido, gostaria de compartilhar algumas dessas cronicas num blog que tenho nun site de jogos. claro que teria o seu nome como autora. gostaria muito que vc me enviasse um e-mail me autorizando a posta-las. um beijo grande de sua mais nova fã.

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