A meia-calça

Foto: Knitting Iris/Flickr.com

Encerrado o sushi, era só um cafezinho no primeiro andar e voar para o escritório. Nem precisei tirar os restos da mesa, as moças da limpeza estavam ali para isso. Aprendi quando levei bronca certa vez, enquanto praticava a boa cidadania recolhendo meu lixo. Já havia separado os talheres não-descartáveis, o plástico do alumínio, quando me levantei com a bandeja nas mãos. Assim você acaba com o nosso emprego, resmungou a funcionária do shopping. Constrangida, devolvi tudo à mesa. Agora eu sempre deixo intacta a cena final de meus apressados banquetes.

Atravessei a praça de alimentação de leste a oeste como um trópico, uma linha imaginária a dividi-la em dois hemisférios: o dos famintos e o dos empanturrados. No final da travessia por entre mesinhas quadradas e cadeiras redondas, alguém me puxou pelo braço. Matias? Não acredito! Há quantos anos a gente não se vê? Tudo isso? Não pode ser. Eu diria, no máximo, uns seis. É verdade, foi na despedida da Clara. Dez anos, então. Como o tempo passa.

Não achei conveniente me sentar, atrapalharia o almoço do ex-colega de trabalho. E estava, sobretudo, atrasada. Ele não se levantou. Postou-se como um cão a guardar seu bife, já esfriando no prato. Ficamos assim: eu em pé, ligeiramente inclinada, me apoiando na mesa com uma das mãos. O Matias sentado, rosto desconfortavelmente erguido. Cada um tentando atualizar, em cento e quarenta caracteres de um twitter falado, os anos que haviam se passado. No meio da conversa, reconheci o movimento em progresso sob meu vestido. Ah, não. De novo?

Sim. A meia-calça que eu usava naquele dia começava a descer e se enrolar na barriga. Era sempre assim. Ao vesti-la, o cós elástico se mantinha no lugar – evidentemente, ao redor da cintura. Em pouco tempo, porém, tinha início o processo. A abertura das comportas, expondo a barriga saliente, até então contida. Ficava à mercê do pavor mais apavorante: a de que alguém por perto tivesse visão de Raio-X. Meia-calça, dessas de nylon, só não enrola em barriga chapada, de tanquinho. E a minha não era nem uma coisa, nem outra. Muito pelo contrário. Inspirada na Revolução Industrial, ela se assemelhava com a própria máquina de lavar.

Encolhi a barriga, na tentativa de estacionar o processo. E você, por onde anda? Não entendia porque meias-calças eram assim. Nenhuma outra calça, que não agregasse a função de meia, tinha um efeito colateral tão devastador. Nunca mais soube da Clara, ela deu notícias? Jamais encontrara uma que não descesse barriga abaixo. Vamos almoçar qualquer dia desses? Estou sempre por aqui. Em casa passaria a tesoura no cós. Quinta que vem está ótimo. Seria pior: aí é que ela não pararia no lugar. Fique com o meu email, passe o seu. A barriga desabara de vez sobre o cós enrolado. O baixo ventre reclamava do aperto. Até quinta. Qualquer coisa, a gente se fala antes. Ziguezagueei até as escadas rolantes. Olhei para cima e para o lado. Tateei e encontrei o paradeiro da danada. Dei um puxão sobre o vestido, tec, e a trouxe de volta ao lugar. Ninguém viu nada. La-ra-ri-la-lá.

8 comentários em “A meia-calça

  1. Engraçada a história ! kkkk
    hehhemas pelo menos era preta a cor da tua meia-calça né Silmara ? kkkkk porque se for verde aí da foto, é totalmente estranho ! kkkkkkkkkkkk
    brincadeirinha ! gostos são gostos ! é que para mim, na minha opinião, pelo menos, a unica cor de meia-calça que me chama a atenção em ver na mulherada é a preta ! hehhe sei lá, minhas pretas são as melhores e muito mais bonitas que tem ! principalmente se for meia-calça preta opaca fio 40 ou fio 40 pra cima, daquelas bem pretas mesmo ! kkkkkk não existe nada mais sensual do que uma mulher de saia preta, sapatos de salto pretos e meia-calça preta bem opaca ! kkkk meias pretas são lindas e sexys ! heheh

    Curtir

  2. li com gosto e ri de raiva ainda pela última vez que essa “maldita”fez graça de enrolar .Isso não tem qua qua ra qua qua .Belíssimo texto! brigadim.

    Curtir

  3. Só você para transformar o terror dos dias frios em uma estória tão deliciosa de se ler.
    Lembrei de você num post no meu blog – “Um ano de Blog e Confissões”. Passa lá.
    Um grande Beijo

    Curtir

  4. Silllllllllllll que situação kkkkkkk

    Quase não uso meia-calça, mas, quando uso fico em situações engraçadas com ela descendo, também fico num stress só kkkkkk
    Adorei o texto, muito, muito bom!

    bjsss

    Curtir

  5. Oi Sil… pois como o frio está de rachar por aqui, só com meia calça bem quentinha é que dá pra aguentar…. tô bripada que só vendo… passei o dia de molho … puxando a meia calça pra cima a cada vez que levantava do sofá pra ir ao banheiro… pensando bem, puxava a meia calça pra cima e a blusinha de malha pra baixo, pois barriga parece ser uma coisa que não suporta ficar coberta… o cós desce a blusa sobe como numa gangorra…até que resolvi prender a blusa sob o cós da meia calça… problema resolvido desde que eu fique bem quietinha .
    Beijinho
    Josi

    Curtir

    1. Josi,
      Foi engraçado imaginar o sobe e desce da meia-calça e da blusinha de malha e mais engraçado ainda, imaginar a blusa presa à meia-calça. Cenas como essa, só vê quem tem intimidade com a gente, né? E você compartilhou. Muito legal. Você não hesitou em parecer gente de verdade.
      Abraço, Su

      Curtir

  6. Hello querida Silmara… (muitas risadas depois)!!!
    Que texto gostoso de se ler (leve), em plena segunda feira (sempre pesada).
    bjoooossssssssss e ótima semana

    Curtir

Quer comentar?