Sobre fadas e madrinhas

Ilustração: Catriona Allen-Bryce/Flickr.com

A menina entrou soluçando no quarto e atirou-se aos pés da cama:

– Madrinha, eu nunca vi uma fada!

A mulher, empenhada em desatar os nós do cadarço do tênis da menina, interrompeu a tarefa por um instante. Tempos atrás, diante da mesma lamentação da afilhada, ela lhe garantira que as fadas existiam. Mais: contou-lhe que elas viviam nas árvores. Com a revelação, a menina decidira passar o dia de plantão no pomar da casa, aboletada no tronco do abacateiro doente que havia sido derrubado uma semana antes. Não vira, porém, fada alguma. Só o gato que, de vez em quando, surgia por detrás de alguma touceira, na tentativa de papar algum passarinho mais distraído. E só. Naquele dia, tristonha, a menina concluiu: A madrinha deve estar enganada.

A mulher alcançou uma caneta no criado-mudo. Com a tampa, fez nova tentativa de desembaraçar o cadarço, Mas quem é que deu tanto nó aqui?

– Será que nunca mesmo?, perguntou, cutucando os nós com impaciência. Tão apertados.

A menina ajoelhou-se. Lembrou-se de uma viagem que fizera com os padrinhos para a praia. Um enorme engarrafamento na serra. Ela, que nunca vira a estrada passar tão devagar sob seus olhos, teve uma esperança. Quem sabe a lentidão do trânsito não a faria avistar alguma fada na mata? Grudou o rosto no vidro da janela, espalmando as mãos contra ele. O padrinho sempre implicava quando ela tocava as coisas para vê-las melhor: A gente vê com os olhos, não com as mãos! Assim como a madrinha em relação às fadas, ela também achava que o padrinho estava enganado: mãos são olhos complementares. E os dois, tão enganados, a cuidar dela. Estou frita, pensava. Durante a descida da serra, o máximo que seus olhos – todos eles – detectaram foi um sapo, que atravessara a estrada aos pulos, cegamente, e por pouco não virou patê.

– Fada não existe coisa nenhuma, madrinha.

A mulher disse que elas eram assim mesmo, não ficavam dando sopa por aí. E, metendo os dentes no cadarço emaranhado, quis saber:

– E por que é que você quer tanto ver uma?

A menina alcançou a caneta e rabiscou o dorso da mão. Os dentes funcionaram e os nós do cadarço finalmente começaram a se soltar, a mulher ficou animada.

– Olha! Fiz uma fada!, disse a menina. Em seguida, acrescentou-lhe cabelos e óculos. – Fada usa óculos, madrinha?

A mulher desfez, vitoriosa, o último nó do cadarço. Abriu um sorriso.

– Óculos eu não sei. Mas tênis, acho que usa. Olhe aqui.

E inclinou-se para mostrar: do lado esquerdo, bem no cantinho, próximo aos ilhoses por onde o cadarço passava, havia uma bonequinha bordada. Notara nela um detalhe que, poderia jurar, não estava ali antes: uma espécie de varinha, que saía de sua minúscula mãozinha. Na ponta, uma pequena estrela lilás.

A menina agarrou o tênis e disparou em direção ao quintal. Sentou-se, desta vez, num rolo de corda, enrolado à perfeição, que o padrinho deixara ali. E ficou esperando que a fadinha saísse do tênis e viesse conversar com ela. Talvez a madrinha não estivesse enganada, então.

3 comentários em “Sobre fadas e madrinhas

  1. Bom dia querida!!!
    “Dindas” e fadas são, pra mim, a mesma coisa viu?
    Sinto isso tão verdadeiro, quando vejo minha filha e minha irmã (a Dinda amada) rsrsrs.
    Acho que a pequena do texto, ainda não descobriu que a fada que ela tanto espera já está ali, bem na sua frente (rsrs).
    bjsss e boa semana!

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  2. Oi Sil…
    que lindo o texto!
    Sabe, você acabou de me dar uma idéia!!
    Madrinha, afilhada, fada, árvores, gatos, passarinho…
    Eu tenho que pintar um AllStar para minha afilhada, Bela… e… depois te mando uma foto…
    Obrigada pela inspiração!
    beijinho e boa semana!
    Josi

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